terça-feira, setembro 25, 2007

RETALHOS DAS MINHAS MEMÓRIAS-SUDÂO (1)

Por: Victor Cabral “Hunter”

O Sudâo, é para a maioria das pessoas um lugar de África totalmente desconhecido.

Sim, vêem-no no mapa, sabem que está ao Sul do Egipto, que a capital é Khartoum e pouco mais.

Pois bem, para os que nâo sabem..., e que gostam de saber.

Este país é o maior país de África: tem fronteiras ao Norte com o Egipto, a Noroeste com o Mar Vermelho, a Este com a Etiópia e Eritreia, a Sudeste com o Kenia, a Sul com o Uganda e com o Congo (Zaire), a Sudoeste com a República Centro Africana, a Oeste com o Chade e finalmente a Noroeste com a Líbia.

Agora imaginem o tamanho deste país depois de mencionar todos os países com que faz fronteira.

É um lugar de África onde se falam mais de 100 dialectos e línguas, é de uma complexidade tâo grande, que o faz um país com uma imensa falta de entendimento entre as tribos e raças que lá existem.

Por exemplo: Um sudanês do Norte, que habita nas margens do Nilo em Abu-Simbel, ou Wadi-Halfa, (foto) nâo tem nada que ver com um negro sudanês (foto) que habita a floresta equatorial ao Sul, no que se chama a Província de Equatória.

O do Norte fala árabe, diz que descende dos Egípcios dos faraós e o outro, que pertence à tribo dos Azandes, o que quer é sobreviver na floresta, onde é colector de mel, raízes, de bolbos comestíveis e, é um caçador e pescador nato.

Se uma pessoa observa os habitantes das colinas do mar Vermelho, os Fuzi Huzi, ou Nubios, (foto) vêm que sâo completamente diferentes dos negros que habitam as montanhas do Kordofan os Nubas; (foto) nem se conhecem, nem se entendem. E assim acontece com uma quantidade de tribos, que alguns nem sequer sabem hoje, da existência de alguns dos seus conterrâneos.

Agora imaginem um país assim, e entao dar-se-ão conta dos problema, étnicos, sociais e políticos, que se geram dentro dele, guerras tribais, xenofobia, guerras civis, como a que vão atravessando há mais de 20 anos, apesar de tratados e de acordos feitos pelos chefes em turno.

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Quando no ano de 1975, depois de estalar a guerra civil em Angola, me dirigi ao Sudâo, eu era o primeiro português que me atrevia a ir desafiar as dificuldades de pôr uma companhia de safaris no Sul desse país. Havia dois anos que se tinha terminado uma guerra civil que tinha durado 17 anos, entre o Norte e o Sul.

Depois de muitas peripécias, cartas de recomendação, e de untar as mâos a mais de um político do Sul, para que me foram concedidas as áreas de caça que queria, instalei-me no Sudâo onde estive por um prazo de oito anos, guiando safaris, tanto na floresta equatorial, como nas savanas que vão desde o Rio Nilo até à Etiópia; cacei a área dos grandes lagos formados pelos vários afluentes do Nilo.

Cacei sitatungas no lago Nibor, e nos pântanos formados pelos vários afluentes do Nilo, o Bahar-el-Gazzal e o Bahar-el-Seraff; neles cacei os antílopes mais bonitos que vi na minha vida: os Mrs.Grey’s Lechwee e os White Eared Kobs ou Cobs de Orelhas Brancas.

Nas florestas abertas nas áreas do Rio Sue, e de Rumbek, cacei o famoso Eland Gigante. (foto G. Eland)





Na floresta Equatorial, pegado ao Congo (Zaire) cacei muitos Bongos, (foto Bongos) e alguns Giant Forest Hogs, ou javalis gigantes da floresta, e os raros Yellow Backed Duiker; lá cacei tambem os grandes elefantes, de pontas de mais de 2.60 mts de comprido e de mais de 45,36 quilogramas cada ponta.

Nas colinas do Mar vermelha cacei alguns Ibex de Núbia, que é a única cabra selvagem existente em África.

O famoso e histórico Enclave de Lado, terra que antigamente foi o paraíso dos caçadores de marfim foi tambem cenário de muitas das minhas caçadas. Terra em que J. Suntherland, um grande caçador africano, caçou, amou e morreu. Visitei a sua abandonada tumba que está num lugar perdido na selva da floresta equatorial entre Yambio e Wau.

Por lá tambem passou o Karamojo Bell, nas suas “andanças de caçador de elefantes”.

Enfim, conheci uma grande parte do Sudâo, aquilo que me alcançou conhecer durante oito anos que passei naquele país.

Atravessei o Nilo e fui ver a Cidade de Ondurman, que está situada do outro lado da ponte que sai de Khartoum, onde os dois Nilos se encontram. O Azul que vêm de Etiópia e o Branco que vem lá do Sul, do Uganda

O mercado de Ondurman é o maior do Sudâo e o mais interessante, e tem uma grande variada de de mercadorias para mostrar aos visitantes. Candelabros esculpidos em marfim e pau-preto por artesãos do mercado, joalheiros e prateiros fabricam todas as variedades de joalharia na parte da frente das suas lojas. Todo este conjunto faz desse lugar um mercado vivo e apressado. A melhor ocasião para visitar esta babilónia de mercadores, é às sextas feiras de manhã.

Em Ondurman, visitei a casa do famoso, Mahdi, o escolhido de Deus, que pôs em cheque aos soldados britânicos do Sudâo Anglo-Egipcio, acabando com a vida do General Gordon e toda a sua guarniçâo.

Agora um pouco de história, para poder entender a ideosincracia destes povos habitantes do Sudâo.

Mohammed Ahmed (1844-85) encabeçou a rebeliâo do Sudâo contra a penetraçâo colonial britânica, que tinha começado desde o Egipto, em 1881, como “guerra santa” do Islâo.

Sitiou e capturou Khartoum em 1885, dando morte ao general Gordon como o mencionei atrás. Os derviches, seguidores do Mahdi, chegaram a controlar todo o Sudâo, excepto os portos de do Mar Vermelho; os britânicos nâo recuperaram o país até 1898, quando Kitchener, derrotou o sucessor do Mahadi, (o califa Abdullah el Taashi), e ordenou destruir, queimar e desaparecer todos os vestígios da tumba e do corpo do Mahdi, como símbolo da sua vingança.

Com os problemas que existem hoje com os islamistas, pensei que seria apropriado dizer que o título de Mahdi, que significa “bem dirigido” e que designa entre os mulsulmanos, a um Messias esperado, para impor ao mundo a doutrina do Islâo, a justiça e a fraternidade.

Tal crença, alheia à doutrina de Mahommed, é negada pelos mulsulmanos “Sunnies”, mas ao mesmo tempo ocupa um dogma importante entre os “Chiitas”, que o identificam como “o iman oculto”, membro da familia de Ali.

Em momentos de crise, esta crença foi aproveitada algumas vezes, por fanáticos com ambiçâo de poder, para obter apoio das massas ferventes e religiosas. Assim, por exemplo, Ubaid Allah, a princípios do seculo X, (o fundador da dinastía Fatimi); ou o Ibn Tumart no século XII (fundador da dinastia Almohade), usaram esta estratégia de fazer-se chamar o Mahdi, o o Escolhido de Deus, para levar a água ao seu moinho, e assim conseguir o poder que tanto ambicionavam.

O Mahdi foi sepultado numa mesquita que tinha um domo de prata, situada em Ondurman. Esta foi completamente destruida por Kitchener em 1898, e o corpo do Mahdi foi queimado e a suas cinzas atiradas ao Rio Nilo. Em 1947, o filho do Mahdi, fez com que se reconstruisse a mesquita e tambem a tumba, e nâo é de surpreender que esteja agora vedada a extrangeiros, mas pode-se ver por fora.

A casa do Mahdi, foi contruida com adobes, em 1887, é é agora um museu. Contem relíquias da batalha de Mahdiyya, indluindo armas, bandeiras e algumas cotas de malha, usadas naquela batalha. Há uma colecçâo interessante de fotografias, dessa época da revolta e da subsequente ocupaçâo pelos britànicos.

Ondurman, foi o centro do comércio de escravos que vinham do Sul. Aí se comerciava com a gente, que acabavam por ser embarcados para a provincia arábica e outros lugares do Norte.

Éra fascinante percorrer a pé as ruas de Ondurman, sentir os cheiros de comida adoçicada, e de espécies que eram desconhecidas para mim; na minha mente, parecia que ainda podia ouvir os pregôes dos vendedores de escravos a anunciar os negros mais fortes e as negras mais sensuais. Entre eles havia os negros Acholis do Sul e mais dóceis, as mulheres Dinkas, altas e com corpos como que tivessem sido modeladas em cerâmida de Sévres, com a pele lisa e tersa, que faziam sonhar as ”mil e uma noites”, que eram vendidas por um punhado de dinares, ou trocadas por ricas mercadorias, entre elas a prata da Núbia, as pérolas do Mar Vermelho; um carregamento de goma-arábica, ou uns quantos sacos de café de de Etiópia, eram tambem moeda de troque, por estes fortes escravos e belas escravas negras.

Oops, deixei-me levar pela imaginaçâo, que nâo está nada fora da antiga realidade.

E se aprofundamos muito, com uns bons dólares, ainda se pode comprar hoje, que estamos no Século XXI, uma escrava negra do Sul. Isto foi publicado pelas Naçôes Unidas há pouco tempo.

Mas voltando à realidade, continuámos a percorrer as diversas ruas de Ondurman.

Entrar em lojas onde ofereciam ao transeunte as coisas mais raras que havia em esse país. Velhas pulseiras de prata pura, da Nubia; sandálias de pele de leopardo, goma-arábica, café arábico, forte e negro.

Havia uma infinidade de joalharias, que estavam abertas até altas horas da noite.

O mercado de camelos situado a dois kilómetros ao Norte do Souq ou mercado, de Ondurman repleto de dromedários vindos das províncias do Oeste e Oriente do Sudâo, era um fervilhar de gente e de bestas.

Comerciantes e tratantes de todo o Sudâo, exibiam os seus animais. Viam-se árabes da Arábia Saudita, que podíamos reconhecer pelas suas indumentárias, discutindo e comprando camelos que mais tarde seriam embarcados para os seus país, tambem gente Yemenita tratando de fechar algum negócio com os vendedores dos dromedários.

Khartoum, é uma das três irmâs, como chamou alguem às cidades de Ondurman, Khartoum Norte e o Khartoum propriamente dito, que hoje estâo unificadas, pela expansâo da cidade, que teve que construir para fazer frente à expansào demográfica do lugar.

Está situada na confluencia dos dois Nilos: o Nilo Branco, que vem do Sul e o Azul que vem do Este, da Etiópia.

A cidade tem uma história relativamente curta. Em 1821 foi usada como posto militar a que deram o nome de Khartoum, que em árabe significa tromba de elefante, pela similitude que há, de uma pequena Ilha na convergência dos dois rios e, o apendice dos elefantes.

Khartoum, cresceu rápidamente durante o explendor do comércio de escravos, que foi entre os anos 1825 e 1880. Em 1834 fizeram dela a capital do Sudâo, e uma grande quantidade de exploradores da Europa, fizeram desta cidade a sua base, para as suas expediçôes africanas.

Entre safaris, tive a sorte de visitar a parte “faraónica” do Sudâo. Sim porque o Sudâo, em algum tempo e durante a época dos faraós, foi um lugar importante na vida do Egipto faraónico. Nele se construiram grandes monumentos e pirâmides, que marcaram a sua presença nesta regiâo.

O Museu Nacional, contem artefactos e antiguidades de varios períodos da pré-historia e história do Sudâo, incluido objectos de vidro, cerâmica, estátuas e figuras do antigo reino de Cush.

O período da Nubia Cristiana, está muito bem representado, com frescos e murais obtidos de igrejas en ruinas, datados desde o oitavo até ao decimo quinto Século.

No jardim do Museu, reconstruiram-se dois templos, que foram salvos, quando as águas do Lago Nasser ou seja a barragem de Assuâo, começaram a subirem, perto de uma das cidades que faz fronteira com o Egipto, que é, Abu-Simbel.

Estes templos egípcios de Buhen e Semma, foram originalmente mandados construir pela Rainha Hatshepsut e pelo Faraó Tuthmosis III respectivamente. Era de notar que sobre os templos contruiram uma estructura com lámina de zinco corrugada ou ondulada, para protegê-los da humidade durante a estaçâo das chuvas. No princípio segundo me informou um dos guias do museu, pensava-se que no final das chuvas se retiraria por um sistema mecânico, mas isso nunca aconteceu e naquele tempo já se encontrava oxidada, o que fazia impossível a sua mobilidade.

Depois dos egipcios, estableceram-se nesse lugar, os Cristâos Coptos, que duraram até que começou a invasâo árabe do Sudâo.

Nâo tive muito tempo para conhecer mais, como me gostaria ter conhecido, e a razâo foi que depois de seis meses de caça constante, em que a maioria do tempo a passava na floresta equatorial, ou seja a floresta densa e fechada, caminhando uma media de vinte kilómetros diáriamente, eu que naquele tempo, era um pau de virar tripas, perdia cerca de oito kilos cada temporada de caça e a única coisa que me apetecia, era voar até Paris, onde no famoso Instituto Pasteur, me faziam um teste para ver se nâo tinha “pescado” alguma das raras doenças que existiam naquelas florestas.

Sim porque esses lugares estavam cheios de doença do sono ou tripanosomíazes, de duas microfilárias que eram a Loa-Loa e a Bancroftis e, algumas mais.

Depois de um ano ter “pescado” a microfilária Bancroftis, que é muito desagradável, pois pela noite quando um necessita dormir, parece que tem “cucarachas” a caminhar pela pele, somente no Instituto Pasteur descobriram o que é que eu tinha depois de fazerem-me varias analizes; a doença era rara, mas fácil de curar, pois com uma caixa de Neotizine, que me deram, consegui acabar com estes desagradáveis bichinhos.

Depois de estar “checado”, desinfectado, etc. etc., entâo voava a Madrid, que era onde tive casa durante quase 15 anos, e começava por recuperar-me das “mal passadas” que me dava no Sudâo, e ponha-me a comer os bons cosidos Madrilenos, o presunto de Jabugo, os bons Chuletones de Ávila, os Callos à la Madrilena, e assim ia repondo o peso que tinha perdido durante as caminhadas que dava atrás dos elefantes, bongos e mais animais.

Como a temporada de caça terminava em Junho, entâo nâo podia faltar, ir até à Ilha de Palma de Maiorca, onde algumas vezes me instalava num iate que um bom amigo e, quase irmâo, me emprestava, para que me fosse repondo dos pesados dias que passava no Sudâo. Iate de 14 metros só para mim, boa comida e melhor bebida e,... Entâo sim, isso era vida.

Quando havia alguma cancelaçâo de algum safari, o que era raro, alguma vez ia a Nairobi e, aí descansava e tentava repor-me fisicamente durante os dias que tinha livres.

Procurava uma namorada “temporal”, que me fizesses esquecer tanta floresta e, que me fizese sentir animicamente bem, ainda que sempre regressava à floresta, pois era onde mais me gostava caçar.

A savana, era bonita, mas a floresta era um lugar onde havia mais desafios à habilidade de um caçador, e muitas vezes à integridade física de um, pois aos elefantes atiravamos-lhes a distancias tâo pequenas que cada dia arriscávamos a pele. Muitas vezes quando nos aproximávamos aos elefantes, tinhamos que baixar-nos para poder ver as pontas e às vezes estavam tâo perto que o coraçâo se nos fazia pequeno e quase nos saltava pela boca. Por isso a razâo de eu usar uma arma de dois canos paralelos, calibre 577.

Muitas vezes me perguntavam porquê usava uma arma tâo pesada? e a minha resposta foi sempre a mesma: “porque nâo há “bazucas” de dois canos que eu possa usar”, - pois o primeiro tiro era sempre do cliente, e muitos, ainda que atiravam tâo perto, às vezes nâo acertavam no lugar que deviam e, entâo tínha que actuar o guia, ou seja eu, para que nâo houvesse problemas maiores.

Muitos sustos, apanhei nessses lugares, mas creio que a adrenalina que me provocavam essas situaçôes, eram como uma droga que corria pelas minhas veias, e isso fazia-me com que eu regressasse sempre a caçar a essas floresta de Yambio.

O meu acampamento, estava estrategicamente situado, na parte mais ao Sul da Provincia de Equatória. Para chegar a ele tínhamos que tomar uma picada que há muitos anos tinha sido feita por uma companhia algodoeira, que tinha a sua base em Yambio, a qual tinha construido tambem nesse lugar, uma fábrica de tecidos.

Havia um chefe negro, que se chamava James Diko, e esse foi o nome que demos ao meu acampamento, pois estávamos relativamente perto da casa dele.

Aí era a terra dos grandes elefantes, que vinham do Zaire (hoje Congo), a comer a grande quantidade de mangas que havia do lado do Sudâo. Eram florestas imensas dessa saborosa fruta. Havia mangas de todas as qualidades e formas. As muito grandes como as da India, as amarelinhas pequenas com muito fio, mas mais saborosas e, habia umas de tamanho medio que tinham uma cor entre laranja, vermelho e amarelo, que eram as minhas perferidas.

Nos meses de Marzo, Abril e Maio, os elefantes vinham ao Sudâo a dar-se um festim com estes frutos, e era aí que nós aproveitávamos, para conseguir os melhores trofeus de elefante.

Aí, nesse lugar, levei alguns clientes, que conseguiram caçar elefantes, cujas pontas ultrapassaram as 45,36 quilogramas por ponta e, alguns com mais de 2,60 metros de comprimento. Eram verdadeiros mastodontes, no referente ao marfim que tinham, nâo assim no corpo, que comparados com os grandes paquidermes de Angola, faziam-nos ver como elefantes anôes.

Victor “Hunter”

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