sexta-feira, outubro 14, 2005

Aardwark- Urso formigueiro – (Orycteropus afer):

Este estranho animal, que existe em toda a África sub-sahariana, não é visto muitas vezes devido a que é um animal nocturno.
Sómente andando muitos meses no mato, como nós os caçadores professionais andávamos, alguma vez nos podíamos encontrar com este “indivíduo” a que chamamos “urso formigueiro”. Tem uma cor cinzenta-acastanhada, com uns poucos pelos amarelos espalhados pelo corpo. A coluna é arqueada na parte central do corpo. Tem umas patas fortes e 4 dedos nas patas dianteiras, armados com poderosas garras, que usa para cavar as termiteiras ou formigueiros, para assim poder chegar à sua comida. Tem a cabeça estreita terminando num nariz de forma tubular, e umas orelhas da forma das dos coelhos, ainda que muito maiores. Os dentes deste animal, sómente se encontram na parte traseira da queixada, e são de crescimento contínuo. Não têm esmalte como a maioria dos animais, sómente uma espécie de cimento que os mantem pegados ao osso. É um animal nocturno e solitário.
COPYRIGHT- A foto nâo pode ser copiada sob pena de demandas
Victor Cabral

sábado, outubro 01, 2005

DEDICADA ÀS PESSOAS DE ANGOLA - 11


DEDICADA ÀS PESSOAS DE ANGOLA E AOS QUE GOSTAM DE ÁFRICA
Carta no. 11-
Já eram as 8 da manha, quando deixamos para sempre Sá da Bandeira. Atrás deixávamos um pouco do nosso coração. Outra vez as despedidas...raios porque será que uma pessoa não pode ter tudo o que anela? Queria poder estar em muitos sítios ao mesmo tempo, para não ter que despedir-me de lugares, de coisas e de gente que foram e são importantes na minha vida.
Cada dia que passa da vida de uma pessoa, um vai perdendo alguma coisa: um amigo que se vai, um velho amor que sabemos que perdemos para sempre, por alguma notícia recebida, um lugar que se abandona e que não sabemos se voltaremos a vê-lo outra vez. Não sei se passa o mesmo com as outras pessoas, mas eu sinto um aperto no peito, que algumas vezes até se me dificulta respirar.

Não quis olhar para trás, porque ali ficavam muitas recordações, que foram realmente importantes para mim. Pedi a Deus, que dera um descanso eterno aos amigos que lá tinham falecido.
Tomei ar, caminhei uns pouco para relaxar-me e, meti-me no carro para seguir viagem. Adeus Sá da Bandeira, até sempre, que os homens de boa vontade continuem a fazer de ti a cidade agradável que sempre foste.
A estrada tinha alguns buracos, mas podia-se manter uma velocidade razoável. Os jeeps estavam com os tanques cheios, os bidões com água até ao cimo; tínhamo-nos abastecido de fruta e verduras para poder aguentar dois ou três dias mais.
Continuámos a viagem, emergidos nos nossos pensamentos e recordando o que tínhamos passado até agora.

Estávamos a atravessar uma das áreas que mais lutas teve durante a guerra civil de Angola. Por ela entraram muitos tanques e tanquetas sul-africanas, que naquele tempo ajudavam a Jonas Savimbi o líder da UNITA. Eles lutavam para que as tropas de Angola, russas e cubanas, não pudessem estender o seu controlo e a hegemonia comunista até ao Sul.
Muitas vidas terminaram naquelas terras que agora atravessávamos. Muitas minas estão enterradas nos caminhos perpendiculares e paralelos à estrada que agora percorríamos. Quanta morte, tinha esta guerra espalhada, meu Deus, e quantos mais inocentes iam a ficar sem pernas e braços. Especialmente as crianças que não deixavam de brincar em lugares perigosos, e às vezes uma mina voava-lhes as pernas, ou os matava. Que culpa têm eles de uma guerra da qual nada sabem e que continuará a matar pessoas por gerações?
Continuámos a nossa viagem sempre em direcção ao Sul, pelo caminho iam aparecendo vestígios dessa luta fratricida.
Víamos tanques que tinham sido abandonados pelos contendentes dessa guerra, víamos canhões que estavam bons para o ferro velho. Não sei porque os deixavam aí ao lado da estrada. Será para que se lembrem que isto nunca devia ter acontecido?
Havia tanques russos, que usavam os cubanos nesta aventura africana de Fidel Castro.
Tinham sido enviados a lutar a Angola desde La Havana, para ajudar o que eles diziam que eram os “hermanos angoleños”. O que fizeram foi saquear muitas das coisas que os portugueses tinham deixado naquele país.
Dizem que até alguma das modernas fábricas de enlatar peixe levaram para Cuba nos seus barcos. E muitas coisas que se dizem, que eu não posso verificar se são ou não verdade, mas usando o velho ditado “ não há fumo sem fogo”, quizás isso seja a realidade.
Carros blindados de transporte sul-africanos, que algum dos comandos tinha perdido, na sua avançada até Luanda; porque eles sim chegaram até às aforas dessa cidade, mas por falta de apoio tiveram que retirar-se.
Tanto dinheiro, tantos milhões de dólares atirados ao lixo, porque estes políticos, não se puderam entender. Todos queriam os diamantes e o petróleo de Angola. Todos queriam o ouro e os biliões de toneladas de minerais que existem naquelas terras. Por isso enviavam tropas de Cuba de Rússia da Africa do Sul e, até do Congo vieram ajudar para ver quem levava a maior fatia do pastel. Semearam terror, pobreza e morte, foi o que trouxeram para este lugar que antes era um paraíso. Deixaram-nos o quê? Mais um canhão abandonado à beira da estrada? Mais uns milhares cegos e aleijados? Mais fome? Cada vez que vejo na televisão aos velhos e decrépito Fidel Castro, lembro-me das atrocidades que fez em Angola. Maldito comunista. Malditos os que provocam guerras. Malditos líderes autoritários. Malditos os que fazem guerra em nome de Deus...Uff, já me cansei.
Mais valia que com esse dinheiro, tivessem erigido escolas, hospitais, fontes de trabalho, mas isso... é uma utopia, pensar que os políticos africanos pensassem assim.
Depois da tristeza de abandonar Sá da Bandeira, agora vinha-me a raiva de ver estes destroços. Tinha que sair daí o mais rápido possível pois isso não era nada bom para a minha saúde mental.
Era imprescindível que saíssemos o mais rapidamente desse lugar e nos dirigíssemos às quedas da M’Pupa para sacar da mente aquela visão de destruição que estava ao longo da estrada em que viajávamos.
Tentei dormir um pouco, e fechei os olhos. Queria abri-los num lugar onde houvesse paz e longe dos problemas que acabava de ver.
Depois de três horas de viagem, chegámos à beira do Rio Cunene, acima das quedas de água da M’Pupa.

Aí a tranquilidade era total. Os pássaros cantavam e ouvia-se o mugir do gado, arreado pelos seus donos os Himbas/Mukubais daquela região.
Começámos a armar o acampamento, porque queríamos passar aí os últimos dois dias da nossa aventura Angolana. Estávamos nisso, quando começaram a aparecer alguns habitantes daquele lugar. Estendiam-nos a mão para cumprimentar-nos. Era gente pacífica e de uma beleza singular.

Eram gente quase pura. Especialmente as mulheres. Os homens, alguns dos jovens vestiam alguma T-shirt que não condizia com a espécie de saia com voo que usam os Mukubais. Era uma “modernização” da indumentária, que a meu ver era uma desgraça para a sua tribo.
Estiveram observando-nos a terminar de armar o acampamento e entre eles deviam estar a criticar das coisas que nós os brancos necessitamos para viver e para viajar. Depararam-se fotografar e assim pudemos guardar nos nossos “memory sticks” aquelas belezas que sempre admirei das mulheres Himbas e Mukubais.
Algumas delas despediram-se e continuaram o seu caminho, talvez para ir ordenhar as suas vacas que deviam andar a pastar mais longe daí.
Aproveitei, para dar-me um banho no rio e sacar de em cima a poeira do caminho e também para sentir-me melhor depois da viagem que tínhamos feito.
Amanhã iria fotografar as quedas de água e seria assim a culminação da nossa viagem.
A tranquilidade do lugar, era boa para o espírito. Com ela descansaríamos de ver tanta desgraça. Queríamos borrar para sempre essas visões e lembrar-nos somente das coisas belas da viagem.
Estava a cair a tarde e fui caminhando devagar até ao Rio; aí sentei-me numa pedra e rezei. Sim rezei como há muito não o fazia. Rezei em agradecimento a Deus por deixar-me viver esta aventura, rezei porque necessitava falar com o Ser Supremo, que me ouvisse, que me atendesse. Não pedia muito, pensava eu: queria que naquela terra voltasse a haver paz, que se controlasse as doenças, especialmente o SIDA, que cada dia se estendia mais pelas povoações. Pedi ao Senhor, que velasse pela gente desse país, que não passassem fome, que pudessem criar os seus filhos como homens de bem, pedi pelos animais, pelos rios e pelos lagos e uma coisa em especial, pedi com todo o fervor que pode uma pessoa como eu, que livrasse África dos políticos corruptos que a governam agora; e especialmente agradeci-lhe por deixar-me fazer esta viagem à África que tanto amo.
A gracias Senhor.
Senti-me mais aliviado do peso que trazia sobre mim, senti que Deus me escutaria e que faria muita coisa boa por essa terra.
Jantámos junto à fogueira e não falávamos. Estávamos a olhar para as chamas que iam subindo pelo ar, retorcendo-se numa dança fantasmagórica. Era belo estar aí ao lado do fogo, rodeado pela Natureza e olhando ao Céu onde milhões de estrelas se podiam ver.
Uma canção brasileira diz: “O céu do Brasil tem mais estrelas” – é que eles nunca estiveram deitados olhando para o céu africano. Nunca tiveram ninguém, como o Fombe, que lhes contasse histórias como me contou ele a mim, quando era pequeno, sobre as estrelas de África. Eu sim tive a sorte de ter, esse grande amigo, segundo pai, conselheiro, pisteiro inigualável, feiticeiro, e meu cuidador desde pequeno, conhecedor de África como ninguém, que me contou essas histórias. Me contou contos sobre muitas das estrelas que eu via no céu, e por isso, ainda hoje me sorrio
lembrando-me delas e vendo os milhões que lá em cima, fazem parte do céu africano.
Fomos dormir, cansados daquele dia tão atormentado pelas recordações e pelas inconformidades. Mas a vida tem que continuar e eu não sou ninguém para mudar o mundo. Só quero paz e saúde para todos, não quero nada mais. O resto vem por si só...
Cerca das 5 da manha levantei-me, pus a agua para o café a ferver, e dirigi-me ao rio para dar-me um banho. A água estava fresca, agradável e sentei-me na areia do rio e gozei daquele momento, que não era de dia nem de noite. Havia uma ténue claridade que permitia ver as silhuetas das colinas e das palmeiras que aí havia. Depois daquele reconfortante banho, fui direitinho ao café, que me soube a gloria.
Enquanto ia tomando o meu café a sorvos, ia preparando os ovos para fazer uns ovos mexidos com fiambre para o “matabicho”.
Queria comer para ir-mos tirar umas fotografias às quedas de água do M’Pupa, e essas seriam as últimas desta viagem.
Caminhámos ao longo do Cunene para chegar às quedas.

Não eram quedas muito grandes, eram umas quedas agrestes, que impulsiva a água a uma grande força. Que imprimiam à corrente do rio uma velocidade que provocava os grandes rápidos kilómetros rio abaixo.
Uma companhia sul-africana, estava a uns kilómetros daí, aproveitando esses rápidos para trazer turistas, apaixonados pelo “raftting” e lançá-los com os seus “kayacks” corrente abaixo.
Tiramos algumas fotografias e aí estivemos a manhã fotografando e apreciando a beleza do lugar.
Tirámos fotografias a quedas pequenas, encontrámos mais Himbas nesse lugar. As mulheres vinham tentar vender-nos adornos feitos por elas, Comprámos algumas bugigangas feitas com contas e pedaços de metal, e mais uma vez elas se deixaram fotografar para a posteridade.
Continuámos, saltando de pedra em pedra para passar o dia buscando alguma coisa digna de interesse, para gravá-la com as nossas máquinas, porque certamente nunca mais viríamos a este lugar, pois a idade ia passando, mas isso sim levaríamos uma boa recordação deste lugar.
Usamos o nosso GPS, para anotar as coordenadas num mapa que mais tarde nos serviria de guia para poder escrever alguma coisa sobre o lugar; e também no meu “diário de bordo”, para não me esquecer nunca de nada do que tinha visto. Que bons aparelhos são estes, são de uma precisão incrível. Já o tinha dito atrás e repito, podem precisar um lugar com um erro de meio metro.
Graças a este pequeno aparelho que custa menos de 800 dólares, expedições a lugares de difícil orientação, como o deserto, agora tornaram-se fáceis de explorar, sem medo a perder-se.
Chegámos às quedas, e ficámos extasiados com a beleza e com a força que as águas tomavam nesse lugar. Isto era o final da nossa viagem. Aí uma vez mais nos metemos na água, numa piscina natural formada pelas rochas, para livra-nos do calor que fazia. Essas sim eram as quedas da M’Pupa.
Começámos a nossa retirada até ao acampamento, para empacotar todo o nosso equipamento e tomar a direcção da fronteira, que passámos essa tarde.
Adeus Angola, até sempre...
FIM
Victor “Hunter” Cabral

DEDICADA ÀS PESSOAS DE ANGOLA - 10

DEDICADA ÀS PESSOAS DE ANGOLA E AOS QUE GOSTAM DE ÁFRICA
Carta no. 10-

Depois de percorrer mais de 70 kilómetros, encontrámo-nos na estrada que vinha do Namibe na direcção de Sá da Bandeira. O desnível que calculámos entre a parte desértica e o Planalto do Lubango, era de 1800 metros, quase a altura da Serra da Estrela em Portugal, com a diferença, desta ser uma serra abrupta, e com lugares cortados a pique que tinham uma enorme profundidade ou altura, dependendo do lugar onde nos encontrássemos.
Para conseguir construir esta estrada, os engenheiros da companhia construtora que realizou esta obra, foram para mim uns verdadeiros magos. Conseguiram, onde ninguém pensava naquele tempo que fosse possível, fazer uma obra, digna dos compêndios de engenharia de todos os tempos.
Tirámos varias fotos para poder mostrar aos futuros incendiemos civis, o trabalho efectuado naquele tempo.
Isto é somente uma pequena amostra do que é esta estrada. Curva atrás de curva e em alguns pontos, teve que construir-se uma espécie de ponte de concreto, para que a estrada pudesse continuar o seu rumo. No tempo que eu vivi em Sá da Bandeira, hoje Lubango, algum dia vi acidentes em que nunca se puderam recuperar as viaturas e muitas jazem no fundo dos precipícios e barrancos até hoje.
São curvas umas atrás de outra e por uma extensão de muitos quilómetros. Esta é das estradas que está bem mantida pelo governo, porque seria uma estupidez abandona-la, pois para reconstruir uma obra destas, custaria uma grande fortuna.
Continuámos com a nossa subida até ao planalto. Podia-se notar a diferença de temperatura, conformar íamos subindo. Em pouco tempo passámos de uma clima desértico e seco, a um clima mediterrâneo e agradável.
Ao chegar ao cimo da Serra da Leba, de repente encontramo-nos com uma paisagem em que se vê lá ao fundo, a cidade de Sá da Bandeira- Lubango.
Havia pintado à beira da estrada um anúncio que eu me lembrava muito bem onde estava, porque tinha sido feito há muitos anos para dar ao turista que chegava uma indicação do que podia ver naquela região. Estava bem pintado e conservado, evidentemente com os novos nomes que lhe davam agora as autoridades.
Vi que aqui não havia o abandono que havia nas pequenas cidades do Sul.
A cidade do Lubango, ainda que em alguns lugares se podia ver ainda os vestígios das lutas entre a MPLA, UNITA e FNLA, continua a sua vida lenta pois não há grandes comércios, mas creio eu que com o tempo, voltará, não ao que era antigamente, mas muito melhor do que o que se encontra agora.
O Hotel, em que me alojei muitas vezes, estava completamente destruído. Ainda se podiam ver nas paredres os buracos feitos pelas balas. Lembrei-me que em Julho de 1975, naquele lugar havia tiros por todos os lados. Foi nesse tempo que eu decidi abandonar aquelas terras da Huila.
Tanta morte, tanto destroço, quando com um pouco de civilidade e de participação do governo Português, se podia ter feito a transição sem tiros. Como dizia atrás, Angola hoje continua a ter semeado nas suas terras milhões de minas, que não se sabe se algum dia as poderá desactivar todas. No entanto pessoas que nada tiveram que ver com a guerra, vão perdendo membros, e morrendo muitos com as explosões desta “peste”, semeada somente para trazer dor e desgraça ao nobre povo de Angola.
Decidimos dar uma volta pela cidade para recordar alguns lugares onde tínhamos passado bons tempos. Eu tinha vivido no edifício que se vê à direita. Aí tinha um apartamento, que poucas vezes usava, porque a grande parte do meu tempo, a passava nas “terras do fim do mundo”.
Como em muitas cidades de Angola, alguns edifícios, estavam ainda sem pintar, mas continuavam a ser habitados por pessoas, que os mantinham mais ou menos em boas condições.
O Cinema Arco-íris, em que tantas vezes vimos bons filmes, aí estava como que a dar-nos as boas vindas. Tantos anos e continuava a ser um edifício de desenho modernista. Ainda que não estivesse brilhante e bem cuidado, não se notava nele o deterioro que havia noutros lugares e edifícios.
Ainda que a luta entre a MPLA e a UNITA tivesse sido dura naquele tempo, havia coisas que tinham sido arranjadas e reconstruídas.
Tantas e tantas recordações que nos iam chegando à mente, conforme íamos andando pela cidade de Sá da Bandeira.
Quando aqui chegamos, obrigados pela circunstancia de ter que deixar a operação dos safaris em Moçambique, vínhamos cheios de ilusões, pois encontramos uma cidade afável, e a gente daqui que nos acolheu com os braços abertos, quando souberam que vínhamos trabalhar neste país.
Lembrei-me do meu grande amigo, o dono da Angola Safaris, o Hernâni Espinha, do Capitão Cabral, dos caçadores, Alfredo Ferreira e Seabra e tantos mais. Parecia que a alma deles, nos acompanhavam naquele momento, como cicerones daquela cidade. Parecia que caminhavam ao nosso lado, para fazer-nos companhia como o fizeram no princípio dos anos 70’s, em que juntos íamos começar uma nova aventura africana.
Era uma imagem “dejá vu”.
Pela tarde subimos o morro, para ir visitar a capela da Nossa Senhora do Monte, onde todos os anos se faziam uma festa para comemorar o dia da Virgem. Era uma festa católica com um sabor português que tinha aquela festa, nos anos que vivemos na cidade. Segundo me disseram, agora já não se fazia.
Daí continuámos para ir visitar o Cristo Rei que depois de tanta guerra, tanta luta, continua com os braços abertos, como que protegendo toda a povoação.
Nesta cidade deixaríamos o nosso guarda acompanhante do governo, porque seguiríamos pela estrada que sai de Sá da Bandeira em direcção ao Sul para continuar com a nossa viagem até à Namibia.
Faltava uma pequena e tape para terminar o nosso deambular por Angola.
Iríamos visitar as quedas do M’Popa, antes de deixar as terras de Angola, e veríamos ainda, um pouco do que tinha deixado a guerra civil a este país.


(Continua na carta no. 11)




DEDICADA ÀS PESSOAS DE ANGOLA - 9

DEDICADA ÀS PESSOAS DE ANGOLA E AOS QUE GOSTAM DE ÁFRICA
Carta no. 9

Dormimos bem pela frescura da noite.
Levantámo-nos e depois de um bom pequeno-almoço, pusemo-nos a caminho: mais dunas, mais praias imensas, até que chegámos perto do nosso objectiva desse dia. A Baia dos Tigres.
Nos anos de 1974/75, tínhamos estado nesse lugar. Era uma pequena vila encantadora.
Sempre me lembro que muitas vezes trazíamos os nossos clientes de safari a passar um dia. Aí comíamos num bom restaurante e passávamos uma manha diferente. Víamos os pescadores a chegar de um dia de pesca. Comprávamos peixes e mariscos para levar para o nosso acampamento do deserto, para mudar um pouco a nossa dieta de carne quase diária.
Lá ao longe vimos o farol que muitas vezes guiou para a segurança da baia a muitos barcos que pela noite às vezes tinham dificuldades de orientação. À medida que nos íamos aproximando, pareceu-nos um pouco rara a silhueta do farol, e depois de muito olhar, vimos que o que faltava era a cúpula que têm todos os faróis: a cúpula de cristal, que durante as noites iluminava com o seu raio de luz o mar e a baia.
Estava totalmente destruído. Que raiva me deu, ver uma construção tão antiga ter sido destruída pelo prazer de destruir. Destruída como numa vingança, aquilo que os portugueses tinham feito com tanto esforço. Os tipos que isto fez eram uns perfeitos imbecis, pois não se deram conta, da necessidade que esse farol tinha para a navegação. Sem farol não havia segurança para entrar na baia e por conseguinte, perderiam para a cidade o lucro que traziam essas embarcações.
Fomo-nos aproximando e ainda se podia ver nas paredes as marcas da Capitania do Porto, que durante tantos anos tinha mantido o velho farol. Com prendo que essas terras mais ano menos ano, tinham que ser independentes, mas deu-me uma imensa pena, ver como a ignorância, a incivilizado, o ódio a coisas dos brancos, e dos portugueses.

Que pena me deu. Me deu por aquilo que eu conheci naquele lugar, mas mais pena me deu, porque vi que dessa forma, os habitantes daquelas terras do Sul cada dia estava mais miseráveis.
Um país rico como Angola, estava na mão de uns quantos, que consideravam essa terra como uma quinta que lhes pertencia.
Corrupçâo, doenças, faltas de tudo, reduziam aquelas terras a um dos lugares mais pobres da terra; pensando que esse mar que do farol destruído se alcança a ver, é um dos mares mais ricos do mundo.
Continuámos com a nossa visita, vimos a Igreja, abandonada, sem portas, um total desastre.
Passamos pelo que foi o cemitério da povoação e vimos o abandono em que se encontrava esse lugar. Quantos colonos portugueses, marinheiros, pescadores, comerciantes e industriais, estavam ali enterrados. Homens que deixaram, a sua vida naquela terra, para fazer dela um lugar onde puderam viverem eles e a suas famílias, criarem os seus filhos, que hoje saberá onde andaram: uns, talvez nas Américas, outros em Portugal continental, que se esqueceu deles na hora das negociações com a entrega de Angola aos angolanos negros, sem se lembrarem que também havia muitos angolanos brancos, mulatos e de outras raças. Esse conjunto de gente, fez o que era uma poderosa Angola, e que não era a Angola que eu estava a ver naquele momento.
Caminhámos um pouco mais; os belos edifícios coloniais, estavam completamente abandonados, não havia ninguém, não havia portas nem janelas, tudo estava deserto como se tivesse passado por aí uma nuvem de raios gama que tinha acabado com a povoação e todo o ser vivente.
Não quisemos ficar nesse lugar, a pena que nos embargava era demasiada para no dia seguinte despertar naquele lugar que queríamos apagar da nossa mente, e assim, pensar que somente tinha sido um pesadelo.
Metemo-nos ao caminho e decidimos acampar em algum lugar da praia, para passar a noite e pela manha, dirigir-nos novamente ao deserto, para ver se chegávamos o mais rápido possível a Sá da Bandeira.
Durante o dia seguinte, novamente saímos da praia par entrar ao deserto e mais adiante apanhar a picada que ia na direcção de um lugar, que era conhecido por todos nós caçadores como a Espinheira.
É um lugar que nos bons tempos, usamos como área de caça para os safaris. Aí tínhamos um acampamento, e até um campo de aviação para levar os clientes. A picada serpenteava entres os morros de pedra tão usuais naquela área. Quantos safaris levaram aquele lugar! Os kudus da Espinheira, tinham fama pelos grandes que eram. Nesta viagem não vimos nenhum dos “olongos” que antes costumávamos encontrar nestes caminhos.
Talvez porque não saímos muito fora das picadas que nos levavam de ponto a ponto prés estabelecido, pelo conselho do guarda que nos acompanhava na expedição.
Quando chegámos à Espinheira, encontrámos a construção do que foi parte da infra-estrutura dos safaris, completamente abandonada. Uma vez mais, tinham levado as portas e janelas das construções. Não havia nada nem ninguém. Lembrámo-nos que muitas vezes tínhamos chegado a esse lugar em avioneta com clientes que queriam caçar as espécies do deserto. Quanta actividade havia naqueles dias, quantas ilusões...e hoje,..tudo abandonado.
Antes aqui podíamos ver zebras de montanha, víamos sempre muitas cabras de leque ou “springbucks”, agora não víamos nada, ainda que soubéssemos que naquela imensidão de terrenos tinha que haver alguns animais. Talvez não houvesse perto da picada, pois aqui era mais fácil que os matassem e certamente procuraram refúgio noutro lugar deste imenso deserto.
Estávamos já a caminho para encontrar-nos com a estrada que ia do Namibe a Sá da Bandeira, não nos faltava muito para chegar, a uma das façanhas de engenharia de estradas, melhor logradas em África. Havia muitas, mas esta para mim era impressionante. A estrada que atravessa a Serra da Leba.
(Continua na carta no. 9)

DEDICADA ÀS PESSOAS DE ANGOLA - 8

DEDICADA ÀS PESSOAS DE ANGOLA E AOS QUE GOSTAM DE ÁFRICA
Carta 8 –

Estávamos já na penúltima parte da nossa viagem.
Tínhamos a intençâo de subir pela praia até à Baia dos Tigres e depois regressar ao deserto para o poder atravessar, até encontrar-nos com a estrada que nos levaria directo a Sá da Bandeira, hoje Huambo.
Sabíamos que essa parte do trajecto era um dos mais difíceis, para isso tínhamos preparado bem os carros, para que não nos acontecesse nenhuma avaria.
Ao começar o trajecto sobre as dunas, demo-nos conta da dificuldade que tínhamos nessa areia solta. Tivemos que baixar a pressão às rodas para assim ter mais superfície de agarre.
Os Toyotas respondiam bem. Tínhamos muita experiência com estes carros, pois levávamos muitos anos utilizando-os nas nossas viagens de aventuras, safaris e em muitos lugares de África. Começamos a baixar uma das dunas mais altas para dirigir-nos à praia por onde pensávamos seguir e como a areia estava demasiado solta pela acção do vento, tivemos muita dificuldade para mater os carros sem que se voltassem. Ajudando-nos com o Toyota Land Cruise, lá saímos na direcção do mar.
Esperávamos encontrar a maré baixa, para poder contar com a areia dura e assim avançar rapidamente essa parte da nossa viagem. Finalmente chegamos ao mar; tínhamo-nos adiantado um pouco porque e maré ainda estava cheia o que nos fez sofrer bastante, para manter-nos no nosso rumo, sem que nos enterrássemos. Mais uma vez, graças à potente caixa de velocidades dos Toyotas e especialmente do Land Cruiser que sempre ia adiante de nós, abrindo caminho, conseguimos estabilizar-nos e então já com a maré baixa poder correr a bastante velocidade.
Começou a levantar-se um vento, e de um dia com sol passámos a ter neblina e vento, mas isso não nos fazia diminuir a velocidade. Antes de chegar à Baia dos Tigres, podemos divisar um barco mercante no meio da praia, que tinha encalhado havia pouco tempo, e que nunca mais voltaria a navegar.
Devia ter sido o vento que o tinha empurrado para esses traiçoeiros bancos de areia. Nesse lugar terminaram as suas viagens de pesca e com muitas ilusões dos patrões do navio.
Podia-se ver perfeitamente o nome do barco: Vanessa Seafood, parecia que os armadores, ao escolher este nome, estavam a determinar a sorte do navio: Comida de mar, sim seria comida para o mar. Dentro de pouco a corrosão terminaria com aquele barco que tanto tinha navegado por esse oceanos. Em poucos anos estaria quase totalmente tapado pela areia que o vento ia arrastando para dentro dele. O efeito das marés. Iriam afundando-o nas areias daquelas praias até cair no esquecimento.
Continuámos com a nossa viagem, um pouco cabisbaixos, porque nos lembramos, que como esse barco, alguns de nós por circunstâncias da vida, nunca chegaremos ao “porto de salvação”.
Alguns ficarão pelo caminho, porque como dizia alguém: esta vida é uma grande viagem, em que alguns, nos vamos baixando em diferentes pontos, muitas vezes obrigados a fazê-lo em portos, que não eram verdadeiramente o destino para o qual tínhamos traça-o o rumo.
Mas a vida continua e nós tínhamos que seguir a direcção traçada de antemão, a ver se finalizávamos a nossa aventura angolana.
Continuámos pela praia imensa a uma boa velocidade, em alguns lugares alcançámos os 100 quilómetros hora.

O dia continuava a escurecer, e até agradecemos as nuvens que nos vieram encima, porque assim refrescou o ambiente e podemos gozar um pouco aquela temperatura que segundo o nosso termómetro de bordo, marcou os 17 graus centígrados. Há muito que não sentíamos essa frescura. Isso animou-nos mais pois viajar assim era muito mais agradável.
Parámos para almoçar, e como sabíamos que deixaríamos em breve estas praias, quisemos uma vez mais, lançar as nossas linhas à água para ver o que nos poderia o mar oferecer nesse lugar, ainda que uma leve chuva estivesse a cair sobre nós.
Lançamos as linhas e esperámos.
A ondulação estava bastante agitada e pensamos que talvez pudéssemos pescar algum bom exemplar.
Lembrei-me que em Moçambique, muitas vezes a melhor pesca que fazíamos no Rio Sengo, era à tarde quando a maré estava alta e com um ligeiro vento.
Não tardou muito que os peixes começassem a “picar”. Aquele mar é um dos mais ricos do mundo, e começamos a entusiasmar-nos porque queríamos agarrar alguma coisa para o jantar. Ouve um momento que senti um “puxão” na linha e com cuidado tentei filar o peixe, com um movimento brusco da cana. O que é que fosse, tinha-o agarrado e começou a luta para trazê-lo até à praia. Com o cuidado que se tem que ter, com o carreto regulado para uma pressão de 15 quilos, o peixe ia lutando e eu enrolando a linha. Chegou a um momento que o vi no rebentar de uma das ondas.
Não era o que eu queria; era um tubarão serviria para dar aos nossos ajudantes, que gostavam muito desse peixe.
Com um último esforço trouxe o peixe para a praia; o pequeno tubarão pesaria talvez uns 12 quilos e assim terminou o nosso dia de pesca e de viagem pelas praias do Sul de Angola.
No dia seguinte continuaria até onde pudéssemos pela praia, para chegar à Baia dos Tigres.
(continua carta 9)

DEDICADA ÀS PESSOAS DE ANGOLA - 7



DEDICADA ÀS PESSOAS DE ANGOLA E AOS QUE GOSTAM DE ÁFRICA
Carta 7 –

Começamos a viajar rumo ao Sul durante quase uma hora. Íamos vendo alguns animais pequenos do deserto, e somente uma vez conseguimos ver um Gemsbuck ou Orix bastante longe. Aquela quantidade de animais que existia nesse lugar, antigamente, tinha-se acabado, quase se extinguiram. Agora tentavam recuperar-se pouco a pouco, e com sorte em alguns anos haveria uma quantidade bastante para que esteja ameaçada a sua existência.
A picada que seguíamos, e que pouco se via, de repente mudou na direcção do Oeste. Ia levar-nos quase numa linha recta à foz do Rio Cunene. Andámos um par de horas mais e as dunas que víamos ao longe fizeram-nos lembrar que estávamos quase a chegar ao mar, que era a nossa meta para esse dia.
Queríamos chegar com luz do dia, para poder encontrar um lugar onde, pernoitar e que pudera ser seguro. Que a areia do deserto nesse sítio estava sumamente branda e tínhamos que usar a tracção às quatro rodas para poder conseguir velocidade para subir as dunas, num lugar que tínhamos escolhido, por ver que eram mais baixas nesse lugar.
Com muita dificuldade, ajudando-nos sempre com a tracção dupla lá conseguimos subir as primeiras dunas, aproveitando sempre o desnível entre uma e outra para poder continuar o nosso caminho, sem enterra-nos. Foi difícil, mas depois de muito batalhar com a areia lá conseguimos chegar à parte mais alta, que dava para o rio Cunene. Já eram quase as cinco da tarde quando avistamos umas construções que nos pareceram abandonadas. Com o cuidado que sempre tínhamos, começamos a baixar um pouco até aos velhos edifícios, e então lembrei-me que alguma vez tinha estado naquele lugar, quando era lugar de abastecimento de pescadores e alguns mineiros daquela região. Hoje parecia que somente fantasmas rondavam por aquelas bandas.
Como se pode destruir toda uma infra-estrutura em 30 anos? Deu-me uma grande pena a lembra-me daqueles pioneiros que fizeram tanto esforço para construir as suas casas e os seus armazéns, com materiais que tinham que trazer de Moçâmedes em camponês, fazendo um esforço titânico, para que hoje isto se tenha transformado numa “cidade fantasma”. Nunca mais, creio eu..., vai haver gente tão tenaz como aquela que aí se assentou no tempo da colónia. Nuns anos mais este lugar ficará somente na memória de gente como eu e dos descendentes das pessoas que a construíram, se é que ainda são vivos.
As casas tinham todos os vidros partidos, a maioria não tinha portas, somente as paredes e os tetos ainda existiam; tinham sido construídas por mãos que sabiam o que estavam a fazer. Tinham sido construídas para durar.
Estávamos na foz do Rio Cunene, o lugar mais ao Sul de Angola, o lugar onde termina esse país para começar a Namibia com a sua Costa dos Esqueletos.
Tínhamos alcançado a meta que nos tínhamos proposto: chegar a esse ponto.
Num dos terraços de uma das casas, paramos os carros e aí estendemos os nossos colchões e sacos de dormir para passar aí a noite e descansar do dia pesado que tivemos para chegar aqui.
Comemos das nossa provisões de latas, e dormimos ao ar livre, embalados pelo ruído do vento, e do murmúrio que as águas do Cunene faziam ao encontra-se com a agua do Oceano Atlântico.
Levantei-me cerca das 5 da manha, já a claridade começava a despontar sobre as dunas que rodeavam aquele fantasmagórico lugar; preparei o fogo e aticei alguns carvões que tinham ficado da fogueira da noite, para fazer um café que nos faria acordar daquela modorra que tínhamos esta manha.
Depois de saborear um bom café, forte e negro como gostamos, com a toalha na mão dirigi-me ao rio para dar-me um banho. Pois a forte corrente daquele lugar, não deixava que a agua doce se misturasse com a água salgada. Um suculento pequeno almoço, para ganhar forças para estar preparados para o resto da viagem que sabíamos ia ser difícil, para sair dessa parte mais desértica do Sul de Angola.
Passar para o outro lado da Namibia podia ser uma forma para ver e poder apreciar a Costa dos Esqueletos.
Se algum dia pode visitar este lúgubre, mas interessantíssimo lugar, verão que a Costa dos Esqueletos, que tem uma grande extensão de praias e desertos começa no Rio Huab, até ao Cunene, onde nos encontramos agora.
Devido as fortes correntes antárcticas, essas praias têm mais barcos encalhados que qualquer outro lugar do mundo. As correntes atiram aos descuidados capitães contra rochas e contra os bancos de areia desse lugar.
Há um fenómeno, que é ver barcos mais de duas milhas enterrados no deserto, ainda que muitos estejam nas praias, porque o mar se vai retirando deixando a descoberto as estruturas dos navios, que parecem uns fantasmas no meio do nada.
Há dezenas de barcos de todas as nacionalidades, de todos os tamanhos, que se encontram nestas praias. Vão-se oxidando e a areia arrastada pelo vento vai enchendo-os e carcomendo o ferro de que estão feitos, transformando-os pouco a pouco, em um emaranhado de ferros, em que muitas vezes já não se pode distinguir as formas originais.
Mas isso será para uma nova aventura, somente há que dizer que os nossos navegadores portugueses, como Diogo Cão, Vasco da Gama e outros, deixaram neste lugar alguns cruzeiros como prova de que os portugueses tinham estado nesse lugar. Note-se na foto o desenho gravado na pedra de uma das caravelas que os nossos heróicos antepassados usaram para chegar a esse lugar.
Depois de empacotar bem todo o nosso equipamento, começamos a subir outra vez as dunas e dirigimo-nos para o mar, pois tínhamos a intenção de seguir por um bom tempo pela praia, afim de chegar até à Baia dos Tigres.
(Continua na carta 8)

DEDICADA ÀS PESSOAS DE ANGOLA - 6

DEDICADA ÀS PESSOAS DE ANGOLA E AOS QUE GOSTAM DE ÁFRICA

(Carta No. 6)

Os Mucubais e os Himbas, são praticamente a mesma raça, os Himbas mais conservadores das suas tradições por motivos, de rebeldia em relação à raça branca que os oprimiu durante anos, nunca se dobraram à vontade dos brancos colonizadores dessas terras.
A raça Herero, que habita uma grande parte da Namibia do Norte, é outra das grandes tribos de criadores de gado, que antes não se diferenciavam muito dos Mucubais e dos Himbas.
Os Herero mudaram completamente os seus costumes nómadas, devido à pressão que os missionários alemães, que durante a ocupação Germânica da Namibia, que antes se chamava Sudoeste Africano, exerceram sobre esta gente, fazendo-lhe ver a “vergonha” de andarem praticamente nus, levando as mulheres Herero, a vestirem-se com grandes saias e vestidos da época vitoriana, que até hoje usam como “tradição”, não voltando mais aos seus costumes ancestrais, dos quais nunca se deviam ter afastado.
Num país que é mais de 60 % é território desértico, a meu ver, parece-me ridículo, ver umas mulheres, que são “quase” da mesma raça que os Mucubais e que os Himbas, andarem com estes vestidos tão compridos e fechados até ao pescoço.
Uma vez mais podemos notar que os antigos colonos, não souberam compreender a idiossincrasia das tribos e os costumes dos habitantes das terras que queriam colonizar.
Pensavam que fazendo-os usar essas indumentárias, lhes mostrariam “a vergonha de andarem nus”, sem compreender que nessas terras, quando menos roupa melhor, para a saúde desta gente.
Os Mucubais, do lado de Angola, também sentiram, as pressões feitas pelos sacerdotes católicos, que os levou a adoptar alguns “panos” de algodão que antes não entravam na sua indumentária.
Somente os Himbas, foram os únicos que nunca se prestaram a fazer a vontade dos missionários alemães, internando-se na área que se conhece por Kaokoland, e Sushushvei, onde estavam praticamente fora do alcance desses religiosos.
Por isso, esta raça de grandes pastores têm toda a minha admiração, por ter conservado as tradições tribais até hoje intactas, ainda que nos dias que correm estejam em contacto com a chamada “civilização” levando orgulhosamente a vestimenta da sua tribo.
Os penteados das mulheres Himbas, são sumamente elaborados, e enfeitados com peças de couro de metal e banhados com uma espécie de argila, colorada com uma substância vermelha e misturada com manteiga de vaca.
Elas são a alma da tribo, porque matem a economia das suas casas e criam os filhos à sua maneira, com um carinho desvelado.
São belezas africanas que poderiam ensinar a muitos cosmetólogistas, o segredo de ter uma pele lisa como o veludo, uma pele sem defeitos e na maioria uns corpos de deusas.
Elas, apesar da sua pouca roupa, poderiam ensinar às mulheres brancas, a arte do “coquetismo”, a arte de conquistar e de saber como proporcionar uma vida de prazer aos seus homens.
Depois de termos dado uma explicação sobre estas belíssimas tribos continuámos a nossa viagem até à foz do Rio Cunene.
(continua na carta 7)

DEDICADA ÀS PESSOAS DE ANGOLA - 5

DEDICADA ÀS PESSOAS DE ANGOLAE AOS QUE GOSTAM DE ÁFRICA
(Carta No. 5)

Eram as 5 da manhã, lá ao fundo, para o lado do Rio Curoca, olhando para a picada que nos leva ao Parque do Iona, uma ténue claridade começava a despontar sobre a serra, desenhando uma linha dourada sobre o agreste pico. Somente se podia ver o contorno das montanhas de pedra que constituíam uma barreira natural para o parque.

Com as viaturas carregadas e prontas para iniciar esta nova etapa da viagem, pusemo-nos a caminho.

Em menos de 15 minutos estávamos a atravessar o Rio Curoca, que é um dos limites que demarcam o Parque Nacional do Iona.

Oh, quantas recordações dos dias em que conduzíamos safaris por esses lugares. Quase sempre começávamos as nossas caçadas perto desse lugar. Alguns dos nossos clientes e amigos, já não estão nesta terra, mas ao passar por aí, não pude deixar de me lembrar deles.

Que dias aqueles! Éramos jovens, tínhamos o espírito da aventura, tão dentro do nosso ser, que pensávamos que éramos os reis do mundo. Não havia dificuldades para nós, somente uma vontade férrea de ter, de ver, de fazer, de sentir. Queríamos “comer” o mundo, e para isso não nos importava fazer o que fosse para consegui-lo. Quantas ilusões, que deixámos atrás através dos tempos que foram passando. Hoje recordamos, e vemos passar diante de nós todas essas vivências, como espectadores de um velho filme, e sorrirmos, como que um pouco envergonhados das loucuras que fazíamos.

Mas sabem quê? Se voltássemos a viver nesse tempo, estou certo que faríamos exactamente as mesmas coisas.

Há muitos anos podiam-se ver centenas de Orixes, de zebras e milhares de springbucks nesse lugar. Durante a guerra civil, muita gente se aproveitou para dizimar uma grande parte desses animais. O refúgio deles nas dunas e em lugares pouco acessíveis, conseguiu salvar alguns, da extinção total. Talvez, se alguém no governo de Angola veja e compreenda que se há animais, haverá turismo e o turismo por sua vez trará benefícios económicos a este abandonado lugar, então poderemos ver em pouco tempo a regeneração deste parque.

O sol estava a levantar-se atrás das montanhas e já se podia distinguir claramente alguns animais pequenos que deambulavam entre as pequenas e raras espinheiras que havia no lugar. Os Irax, que são uns roedores pequenos e da família dos elefantes, começavam o dia entre os altos penhascos, que é o seu habitat, de um lado para o outro procurando comida, e cuidando-se do seus inimigos: as águias, e muito especialmente os leopardos, que abundam naquelas montanhas, que para eles, constituem o refúgio ideal. Têm comida, água em muitas grutas entre as pedras e um lugar para esconder-se e livrar-se do calor atormentante que faz nesses lugares.

Durante meia hora dirigimo-nos na direcção do velho acampamento do parque. Pensávamos que podíamos encontrar alguém neste lugar, para que nos dera alguma indicação sobre o estado em que se encontrava esse lugar.

De repente ao longe sobre uma pequena elevação vimos alguns Orixes, e o nosso coração bateu de emoção porque vimos que nem tudo estava perdido. Os “reis do deserto”, os Orixes ou Gemsbucks estavam a regressar ao lugar, donde nunca deviam de ter sido espantados. Eram apenas dois desses antílopes, mas essa imagem, deu-nos a esperança e a convicção que nem tudo está perdido na África que adoramos. Pode-se fazer ainda muita coisa para salvá-la da destruição, se houver boa vontade. A Natureza é sábia e se lhe damos uma oportunidade, ela saberá regenerar-se. Por isso cuidemo-la.

Rapidamente, elevei uma prece a Deus em agradecimento ao começo da regeneração deste lugar.

Depois de tirar várias fotos, continuámos a nossa viagem. O acampamento dos guardas do Iona, já não existia, tudo estava destruído, podiam-se ver ainda algumas carcaças de carros que foram abandonados, durante o êxodo de muitas famílias portuguesas, com o afaz de escapar da guerra civil de Angola.

Eu também tinha passado por aí, havia 30 anos, com o equipamento dos safaris, para me internar no que hoje é a Namíbia.

Deu-nos graça, um anuncio de não passar que estava já muito ferrugento no meio do “nada” e sustentado por umas pedras, para que não caísse com o vento.

Isso era o que tinha ficado da sinalização eficiente que antigamente existia nesse parque. Dirigimo-nos para o Sul, pois queríamos chegar à foz do Rio Cunene, antes de anoitecer, para poder instalar-nos para passar a noite, já que sabíamos que íamos a encontrar num lugar deserto, o que antes era um lugar com bastante gente.

Os Toyotas portavam-se bem, sem qualquer problema, confirmando uma vez mais que eram os carros e camionetas ideais para a África que estávamos atravessando.


Já tínhamos provado estes 4x4 em Moçambique, na África do Sul, na Botswana, em todo o Sul de Angola, no Sudâo e vários países mais e sempre foram uns carros para confiar, e que nunca nos deixaram mal durante tantos anos que os usamos, nas mais duras provas que se pode fazer a um carro.

Antes de internar-nos mais profundamente no Parque do Iona, não quisemos passar a oportunidade de fotografar uma das plantas mais raras do mundo, que existe somente aqui neste lugar e algumas, muito poucas, na Namibia: a Velvichia Mirabalis. Parece uma planta pré-histórica. Está protegida, ainda que muitas foram destruídas somente pelo prazer de destruir, pois não se conhece, nenhuma propriedade medicinal desta planta, o que sirva para alguma coisa. Somente estão aí, fazendo parte de um grupo de seres vivos, que fazem parte deste conjunto ecológico do deserto.

Descansamos um pouco para poder comer alguma coisa e continuámos com rumo à Foz do Cunene.

O Cunene, depois de serpentear entre montanhas, formando às vezes profundos vales entre montanhas de rochas, tem rápidos formidáveis em vários lugares do curso que toma em direcção ao Oceano Atlântico. Os portugueses em conjunto com os sul-africanos construíram a presa conhecida por Ruacaná para abastecer de electricidade ao Sul de Angola e Norte da Namíbia.

Depois dessa presa, o Rio continua o seu curso formando rápidos até chegar as Quedas da Mpupa. Umas cataratas no meio de uma garganta profunda cavadas nas rochas. Depois dessa queda, o rio toma uma velocidade incrível, durante o tempo de chuvas, para baixar a sua velocidade em tempo de secas, não obstante continuar com uma corrente de muita velocidade. Que faz deste lugar um sítio ideal para fazer “raftting” com canoas.

Uma organização turística do Windoeck, na Namibia, está aproveitando esses rápidos para trazer turistas ao lugar, aproveitando fazer visitas a povoações de gente da etnologia Himba, que são primos dos Mucubais de Angola, pois têm os mesmos costumes e são pastores nómadas em ambos casos. Vivem numa espécie de matriarcado, em que as mulheres têm a “voz cantante”, na sociedade desta tribo. Elas ordenham, preparam e vendem o que lhes sobra das suas manadas. São uma tribo interessantíssima sobre o ponto de vista etnológico e antropológico. (Continua Na carta 6)

DEDICADA ÀS PESSOAS DE ANGOLA - 4

DEDICADA ÀS PESSOAS DE ANGOLA
E AOS QUE GOSTAM DE ÁFRICA
(Carta No. 4)

Nesse dia resolvemos passar a noite na Gruta. Era uma forma de prestar homenagem ao amigo Turra e ao mesmo tempo ver como era o serviço nesse lugar. Tomamos um banho, que certamente ia a ser o último que tomaríamos numa casa de banho, por uns dias, pois quando acampávamos, banhávamo-nos com um banho “ macua”, como dizem em Moçambique.
Uma lata de água e uma caneca para deitar água sobre a cabeça.
Ensaboar-se e mais agua sobre a cabeça, e assim pelo corpo todo, e fica um lavado e fresco, gastando-se pouca água dessa maneira.
Deram-nos de jantar uns bifes de cabra de leque, ou springbucks, com batatas fritas, e uma salada, que estava deliciosa. Para eles o talho não estava muito longe, pois antes de chegar à Gruta de visámos ao longe uma manda de gazelas que teria uns vinte animais.
Na manha seguinte resolvemos ir até à Pedia, onde havia um lugar no rio Curoca que tinha uma espécie de piscina de água quente e sulfurosa, que na vinha bem ao corpo depois de tanto salto nas más estradas e picadas. Diziam que era bom para o reumatismo, e para muitas doenças do fígado.
Que bom para limpar o físico dos whisky e dos “screw drivers” de vodka. Iríamos suar até que estivéssemos limpos por dentro e por fora. Também aproveitávamos para ver se sacávamos um pouco de gordura, por tanta e boa comida portuguesa.
Ah! E do vinho verde que quando havia mariscos, já não podíamos prescindir dele.
Porque será que as coisas boas fazem mal, quando chegamos depois dos 50? Não há direito.
Indo na direcção da Pediva, lembrei-me que há trinta anos atrás, encontrei neste lugar um grupo de franceses, que tinham montado um acampamento com todos os artefactos mais modernos que havia naqueles tempos. Eram empregados da companhia petroleira francesa a Total, que buscavam aqui lugares com urânio, assim me deixaram saber quando lhes perguntei que faziam naquele lugar. Eles vinham muito à gruta, e nós dávamos-lhes a carne fresca que necessitavam, pois naquele tempo caçávamos com clientes de safaris, e eles a cambio, ofereciam-nos boas garrafas de vinho francês.
Naqueles dias, ninguém pensava, nos acontecimentos que iriam a suceder uns poucos anos depois.
Uma guerra civil que durou anos e que transformou totalmente Angola, num caos, numa terra sem segurança, uns dos lugares do mundo com mais minas implantadas no seu solo, só comparado com o Afeganistão. Pelo que vejo, tardará muitos anos a voltar a ser o que era como país, se é que consegue.
Ah! Que bons tempos aqueles, andávamos caçando pelo deserto, fazíamos o que queríamos, éramos jovens com vinte e tais anos, e por cima nos pagavam principescamente para fazer o que gostávamos, imaginem, não podíamos estar numa situação melhor.
Agora não matávamos nada, já há muito que tínhamos decidido, que os animais são mais bonitos vê-los passear, nas planícies e savanas africanas, fotografá-los uma e outra vez, do que acabar com eles com um tiro para sempre.
Eram outros tempos, agora é tempo para a conservação.
Naqueles tempos matar um animal mais ou menos, não alterava para nada o balanço ecológico do lugar, hoje, depois das matanças feitas nas terras, onde foi necessário matar tanto para dar de comer a milhões de pessoas para que não morressem de fome, um só animal, faz uma falta imensa.
Por exemplo, das impalas de cara negra, ou “black faced impalas”, que existem somente nesta pequena área de Angola em que estamos agora; não temos nenhuma informação que nos possa assegurar, que ainda existem nesse aqui.
Das da Namibia, sim sabemos que existem em vários lugares, no Etosha e em várias “game farms”, e que se vão reproduzindo com um êxito cada dia maior.
Igual que mais ao Norte, o animal mais representativo de Angola, que é a Palanca Preta Gigante, ou Giant Sable, somente se sabe que: “parece que foram avistadas duas” há pouco tempo, quando esteve no lugar uma equipe do Worlds Conservation Found. Ninguém sabe ao certo se ainda existe alguma, ainda que digam que sim.
Matar um destes animais devia ser considerado um crime de lesa humanidade, porque toda a gente sabia que havia mais ou menos 3.500 exemplares destes, antes de começar a guerra civil, e ninguém, ninguém fez nada para protegê-los. Não creio que matando algum destes animais, se tenha resolvido o problema da fome que imperava naqueles dias e que ainda hoje continua.
Total, como sempre o homem vai destruindo pouco a pouco o planeta Terra, hoje é aquele animal, amanhã é uma árvore, depois os fogos nas florestas que nos rodeiam, a destruição da capa do ozono e tantas atrocidades, tantos atentados contra a Natureza, sem dar-nos conta de que estamos agredindo-nos a nós mesmos.
O nosso planeta é como uma ilha no meio de um oceano, que se não a cuidamos com esmero, tentando, reciclar o lixo que produzimos, tentar queimar cada dia menos combustíveis fosseis, gasolinas, diesels e qualquer forma de petróleo, cuidar as florestas, rios e todas as águas existentes, um dia sofri remos as consequências desta irresponsabilidade em caiu toda a humanidade.
Admiramo-nos porque agora há mais furacões e ciclones que devastam lugares inteiros, as esquias prolongadas em alguns lugares do planeta, as altas temperaturas que estamos sofrendo em alguns lugares da Terra, e sim, muito dentro de nós sabemos que é uma forma de “vingança” da Natureza, pelas agressões que lhe fazemos diariamente.
Por isso há que pensar antes de atirar um papel para o chão e lembrar-se de falar com o gerente do seu supermercado, dizendo-lhe “que preferiria usar bolsas de papel reciclado em vez de plástico”, que é um dos artigos que mais contamina a terra.
Tanta e tanta coisa que se pode fazer, que seria necessário uma lista imensa para descrever como podemos ajudar ao nosso planeta. Lembrem-se que, por agora, só temos este.
Bom, já disse o que sinto sobre a contaminação, ainda que podia estar aqui a escrever dias e dias sobre o assunto, e depois disto seguimos direito à Pediva, a um dos ligares onde existe uma nascente de água quente no Rio Curoca.
Dentro do rio, formou-se uma espécie de piscina, ou melhor um estanque rodeado de um limo verde, que alguns dizem que é bom para curar doenças da pele, e mais abaixo outro maior em que a água não está tão quente como a do primeiro. Lembro-me que neste lugar, havia umas pedras redondas de uns trinta centímetros de diâmetro, que um dia levei aos tais amigos franceses da companhia Total e que ao chegar-lhe com um contador Géiser o aparelho começou a emitir uns sons constantes e marcava uma boa quantidade de material radioactivo. Teria isso alguma influência no que nos diziam sobre as águas curativas da Pediva? Nunca encontrei ninguém que me pudesse elucidar sobre o assunto, ficando assim, até hoje, um tema para estudar.
Depois de um bom banho, regressamos à Gruta para preparar a saída ao outro dia muito cedo, a continuação da nossa viagem.
Da gruta, pensávamos seguir em direcção ao Oceano Atlântico, através da Reserva do Iona, e dirigir-nos à foz do Rio Cunene.
Tinha estado aí, há muitos anos e era bom recordar aqueles tempos.
(Continuará na carta 5)