quinta-feira, setembro 20, 2007

RETALHOS DAS MINHAS MEMORIAS – MOÇAMBIQUE 4

Este capítulo devia chamar-se: COMO AMARRAR UM LEOPARDO...Havia um senhor em Madrid, cujo nome era José Maria Sanchiz Sancho, um tipo alto fornido, que naquele tempo teria uns 75 anos, que era um homem importantíssimo. Diziam que ele era das poucas pessoas que podia por um braço sobre Franco, pela amizade que os unia. Era tio do Marquês de Villaverde, e diziam que era administrador de muitas coisas que tinha a família Franco. Tinha uma “finca de perdizes” que era uma maravilha, onde o General costumava ir dar os seus tiros. Era um homem poderoso, e podia mover muitos cordéis na “política” daquele tempo. Diziam que podia “fazer” e “desfazer” ministros. Pois bem este senhor, um dia que eu estava em Madrid a promover os safaris, fez com que a sua secretária me chamasse para concretizar uma entrevista, queria ir de safari três semanas e queria falar comigo. Quando entrei no seu escritório, da Calle Alcalá, a sua secretária fez-me passar e aí conheci a este senhor que veio a ser um grande amigo e que com o tempo, até me “autorizou” que o chamasse Tio Pepe… Chegou a Moçambique, e daí fomos para o acampamento da Mazamba; o animal que ele tinha mais interesse era um bom leopardo, pois tinha estado em África, com a Safrique, e não tinha conseguido matar nem leão nem leopardo. Começámos o safari, e começámos a obter os troféus, pouco a pouco. Não era um grande atirador, mas tinha muito entusiasmo pela caça e isso era importante. Matámos búfalos, todos os antílopes e o safari ia decorrendo, muito bem. Não podia caminhar muito e por isso esquecemo-nos dos elefantes.

Era um comilão de alto lá com ele. Em Madrid tinha-me perguntado o que é que lhe íamos dar de comer, quando eu lhe disse, não lhe gostou nada a minha proposta. Queria comida espanhola, então eu disse-lhe: “Oiça, a mim disseram-me que o senhor é conselheiro de Ibéria e, que lhe dão bilhetes grátis e não paga nada na Ibéria. Porque não compra o que goste, manda fazer uma caixa e manda para Moçambique e assim quando lá chegue tem tudo o que necessita.”? Pensou um pouco e disse-me: Sabes que eres un sin vergüenza, pero simpático?E ao outro dia mandou arranjar tudo para que em Moçambique não lhe faltasse nada. Nâo mandou uma caixa, mas sim três que chegaram à Allen Wack, que eu mandei levar depois para o acampamento, e assim o homem andava contente, e comia do que gostava. Fez uma boa equipa com o meu cozinheiro Vilarique, pois ele ensinava-lhe o que queria que ele fizesse. No final do safari até o queria levar para Espanha. Para caçar o leopardo, fomos para o acampamento do Botão que estava situado, onde termina a floresta de Inhamitanga e começa o tando do Botão. Este acampamento somente o usava, quando queria vi a caçar algum leopardo, ou suni, que havia por milhares. Fomos ao tando, matámos um búfalo, para usar as patas traseiras como isca para o leopardo. Pusemos várias iscas e, pelas manhãs sempre íamos ver se algum leopardo tinha comido. Um dia encontrámos uma das iscas comidas e preparámos tudo para construir um lugar tapado, ou posto, onde pudéssemos por uma cadeira e esperar aí o leopardo, sem que ele nos visse ou cheirasse. No acampamento eu tinha umas caixas de cartão, nas quais desenhei um leopardo, para que o Tio Pepe, assim já o chamava eu, pudesse treinar a atirar com a luz do farolim. Nesse dia à noite, pusemos as caixas, e pedi-lhe que quando eu acendesse o farolim, que ele atirasse o mais rápido possível ao “leopardo”.Tentámos três vezes e nada. Ele não via bem de noite e não lhe dava. Mandei ir buscar uma caçadeira que eu tinha de 5 tiros automática, e depois de carregá-la com cartuchos SGS, e de pintar com giz a “cinta” da espingarda, pedi-lhe que atirasse, e ele sim dos 9 chumbos deu-lhe com 6 e alguns em lugar onde poderia ter morto o leopardo. O problema era o tempo que demorava a atirar. O leopardo não esperaria tanto. ...enquanto ele e o cozinheiro faziam o almoço eu disse-lhe que iria ver se tinha comido algum leopardo mais. O que fizemos foi ir à isca onde tinha comido o leopardo e preparar uma forma para amarrar o gatinho, para que lhe dera tempo ao Tio Pepe, de atirar.

Usámos um cabo de aço maleável, que conseguiam os “furtivos” dos travões dos comboios, e amarrámos o laço do lado contrário de donde o leopardo entraria a comer. O leopardo ao passar por um emaranhado de ramas estratégica mente postas, para que tivesse que entrar por o lugar preciso, faríamos que o gatinho estivesse a comer com o laço à volta do pescoço e sem senti-lo, somente quando saltasse o laço apertaria e daria tempo ao Tio Pepe de atirar. A armadilha estava pronta para que o leopardo entrasse e pelo menos ficasse amarrado o tempo necessário para que o Tio Pepe, pudesse atirar. O Fombe tinha esfregado um pouco de sal na carne do búfalo, segundo o que aprendi dele, era que o leopardo nunca tinha provado sal e ao comer a carne, “condimentada” sempre regressava e quando comia estava tranquilo. Seria verdade? Nunca pude perguntar a nenhum leopardo... Regressámos ao acampamento e esperámos pela tarde. Às 5 da tarde já estávamos dentro do posto sentados, o Tio Pepe, o Fombe y eu. Ao lado do Tio Pepe, apoiada num dos ramos, estava a caçadeira calibre 12 carregada com 5 tiros SGS, de 9 chumbos de 9 mm de diâmetro. A uma distância tâo curta eram sumamente efectivos e mortais. Algumas vezes na minha vida de caçador, tive que ir à procura de leopardos feridos pelos meus clientes. Nunca usei uma espingarda de bala, sempre levei aquela velha automática marca Savage de 5 tiros, que funcionava de maravilha para estas ocasiões e que nunca falhou. Era somente para o que a tinha, porque como caçadeira, sempre gostei de usar uma de doble cano paralela, que ainda hoje conservo, feita por Victor Sarrasqueta, que é uma jóia. Esperámos pelo leopardo e perto das 8 da noite, o leopardo entrou e começou a comer, pois podia ouvir-se perfeitamente. Com os binóculos podia ver perfeitamente a silhueta do animal. Preparei o farolim e disse ao Tio Pepe que se preparara. Quando acendi a luz lá estava o leopardo. Eu até podia ver o laço à volta do pescoço. O Tio Pepe demorou um pouco e disparou, o leopardo saltou e vi como ficava amarrado o laço, e ele lutou um momento para soltar-se. Disse-lhe ao Tio, “atira outra vez” e ele atirou e o leopardo caiu fulminado porque alguns chumbos lhe tinham dado na cabeça.

Dei o farolim ao Tio Pepe e tirei-lhe a caçadeira da mão, para que ele ficasse a iluminar-nos enquanto íamos nós a ver se estava morto. Isto foi somente uma forma para que ele ficasse onde estava. Fombe e eu saímos e aproximámo-nos lentamente do leopardo, até ver se estava bem morto. Quando lhe toquei com a ponta da espingarda, vi que nâo se movia. Fombe pôs-se de costas para o Tio Pepe que nos continuava iluminando, e sacou-lhe o cabo, que estava bem apertado, para que ele não o visse. O Toyota chegou, pois tinham ouvido os dois tiros e eu tinha-os mandado esperar longe daí. Então já o Tio Pepe deixou o farolim e veio juntar-se a nós. Felicitámo-lo pelos bons tiros que tinha dado. Ficou contentíssimo o velho Tio Pepe. Isto até parece uma história para os miúdos dormirem, mas sim, assim foi como amarrámos um leopardo, para que um velho e poderoso amigo, pudesse regressar a Madrid. Por ele consegui muitos clientes, para que viessem caçar comigo em Moçambique.

Victor “Hunter”

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