sábado, outubro 01, 2005

DEDICADA ÀS PESSOAS DE ANGOLA - 9

DEDICADA ÀS PESSOAS DE ANGOLA E AOS QUE GOSTAM DE ÁFRICA
Carta no. 9

Dormimos bem pela frescura da noite.
Levantámo-nos e depois de um bom pequeno-almoço, pusemo-nos a caminho: mais dunas, mais praias imensas, até que chegámos perto do nosso objectiva desse dia. A Baia dos Tigres.
Nos anos de 1974/75, tínhamos estado nesse lugar. Era uma pequena vila encantadora.
Sempre me lembro que muitas vezes trazíamos os nossos clientes de safari a passar um dia. Aí comíamos num bom restaurante e passávamos uma manha diferente. Víamos os pescadores a chegar de um dia de pesca. Comprávamos peixes e mariscos para levar para o nosso acampamento do deserto, para mudar um pouco a nossa dieta de carne quase diária.
Lá ao longe vimos o farol que muitas vezes guiou para a segurança da baia a muitos barcos que pela noite às vezes tinham dificuldades de orientação. À medida que nos íamos aproximando, pareceu-nos um pouco rara a silhueta do farol, e depois de muito olhar, vimos que o que faltava era a cúpula que têm todos os faróis: a cúpula de cristal, que durante as noites iluminava com o seu raio de luz o mar e a baia.
Estava totalmente destruído. Que raiva me deu, ver uma construção tão antiga ter sido destruída pelo prazer de destruir. Destruída como numa vingança, aquilo que os portugueses tinham feito com tanto esforço. Os tipos que isto fez eram uns perfeitos imbecis, pois não se deram conta, da necessidade que esse farol tinha para a navegação. Sem farol não havia segurança para entrar na baia e por conseguinte, perderiam para a cidade o lucro que traziam essas embarcações.
Fomo-nos aproximando e ainda se podia ver nas paredes as marcas da Capitania do Porto, que durante tantos anos tinha mantido o velho farol. Com prendo que essas terras mais ano menos ano, tinham que ser independentes, mas deu-me uma imensa pena, ver como a ignorância, a incivilizado, o ódio a coisas dos brancos, e dos portugueses.

Que pena me deu. Me deu por aquilo que eu conheci naquele lugar, mas mais pena me deu, porque vi que dessa forma, os habitantes daquelas terras do Sul cada dia estava mais miseráveis.
Um país rico como Angola, estava na mão de uns quantos, que consideravam essa terra como uma quinta que lhes pertencia.
Corrupçâo, doenças, faltas de tudo, reduziam aquelas terras a um dos lugares mais pobres da terra; pensando que esse mar que do farol destruído se alcança a ver, é um dos mares mais ricos do mundo.
Continuámos com a nossa visita, vimos a Igreja, abandonada, sem portas, um total desastre.
Passamos pelo que foi o cemitério da povoação e vimos o abandono em que se encontrava esse lugar. Quantos colonos portugueses, marinheiros, pescadores, comerciantes e industriais, estavam ali enterrados. Homens que deixaram, a sua vida naquela terra, para fazer dela um lugar onde puderam viverem eles e a suas famílias, criarem os seus filhos, que hoje saberá onde andaram: uns, talvez nas Américas, outros em Portugal continental, que se esqueceu deles na hora das negociações com a entrega de Angola aos angolanos negros, sem se lembrarem que também havia muitos angolanos brancos, mulatos e de outras raças. Esse conjunto de gente, fez o que era uma poderosa Angola, e que não era a Angola que eu estava a ver naquele momento.
Caminhámos um pouco mais; os belos edifícios coloniais, estavam completamente abandonados, não havia ninguém, não havia portas nem janelas, tudo estava deserto como se tivesse passado por aí uma nuvem de raios gama que tinha acabado com a povoação e todo o ser vivente.
Não quisemos ficar nesse lugar, a pena que nos embargava era demasiada para no dia seguinte despertar naquele lugar que queríamos apagar da nossa mente, e assim, pensar que somente tinha sido um pesadelo.
Metemo-nos ao caminho e decidimos acampar em algum lugar da praia, para passar a noite e pela manha, dirigir-nos novamente ao deserto, para ver se chegávamos o mais rápido possível a Sá da Bandeira.
Durante o dia seguinte, novamente saímos da praia par entrar ao deserto e mais adiante apanhar a picada que ia na direcção de um lugar, que era conhecido por todos nós caçadores como a Espinheira.
É um lugar que nos bons tempos, usamos como área de caça para os safaris. Aí tínhamos um acampamento, e até um campo de aviação para levar os clientes. A picada serpenteava entres os morros de pedra tão usuais naquela área. Quantos safaris levaram aquele lugar! Os kudus da Espinheira, tinham fama pelos grandes que eram. Nesta viagem não vimos nenhum dos “olongos” que antes costumávamos encontrar nestes caminhos.
Talvez porque não saímos muito fora das picadas que nos levavam de ponto a ponto prés estabelecido, pelo conselho do guarda que nos acompanhava na expedição.
Quando chegámos à Espinheira, encontrámos a construção do que foi parte da infra-estrutura dos safaris, completamente abandonada. Uma vez mais, tinham levado as portas e janelas das construções. Não havia nada nem ninguém. Lembrámo-nos que muitas vezes tínhamos chegado a esse lugar em avioneta com clientes que queriam caçar as espécies do deserto. Quanta actividade havia naqueles dias, quantas ilusões...e hoje,..tudo abandonado.
Antes aqui podíamos ver zebras de montanha, víamos sempre muitas cabras de leque ou “springbucks”, agora não víamos nada, ainda que soubéssemos que naquela imensidão de terrenos tinha que haver alguns animais. Talvez não houvesse perto da picada, pois aqui era mais fácil que os matassem e certamente procuraram refúgio noutro lugar deste imenso deserto.
Estávamos já a caminho para encontrar-nos com a estrada que ia do Namibe a Sá da Bandeira, não nos faltava muito para chegar, a uma das façanhas de engenharia de estradas, melhor logradas em África. Havia muitas, mas esta para mim era impressionante. A estrada que atravessa a Serra da Leba.
(Continua na carta no. 9)

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