terça-feira, setembro 25, 2007

RETALHOS DAS MINHAS MEMÓRIAS -SUDÂO (8) Fim dos safaris em Sudâo.

Um dos safaris que fiz na Floresta Equatorial, foi com os meus grandes amigos, Rosa e Federico Segura.
Este casal tinha caçado muitas vezes comigo em Moçambique, em Angola e agora no Sudão.
Chegaram a Juba via Roma, Khartoum, Juba. Eu estava esperando-os no aeroporto, para ajuda-los com as malas e leva-los ao Lodge, para preparar-nos para voar a Yambio.
Com eles vinha também um casal, com quem eu também tinha caçado em Moçambique, a Maria e Enrique Jofre, acompanhava-os a sua filha Ivone, que era a primeira vez que vinha a África. Eles caçariam com o Noel a partir do mesmo acampamento em que caçaria eu.
Rosa chamou-me de lado e informou-me que Federico tinha tido um ligeiro enfarto, e que não queria que ele se cansasse. Eu prometi-lhe que faria o possível, porque me importava muito a saúde do meu amigo, que foi um homem chave na minha mudança de Moçambique para Angola, ajudando-me financeiramente, pois eu tinha perdido muito, ficando somente com os carros. Também o grupo de amigos de Barcelona, e um outro grupo de Sevilha, tinha posto à minha disposição uma quantidade bastante grande de dinheiro, para que eu usasse, para organizar outra vez os safaris. Isso que fizeram ficou gravado na minha alma e somente lhes posso pagar ligeiramente, com a amizade incondicional, que lhes tenho há tantos anos, aparte de liquidar aquilo que me tinham emprestado. Por isso falamos muitas vezes por telefone. Federico e Enrique, tem agora mais de 80 anos e Federico continua a fazer as suas viagens a África ( Zâmbia ), onde tem um filho que tem um luxuoso acampamento, não para caçar, mas para levar safaris fotográficos. Claro que sempre me convidam a ir passar temporadas com eles. Qualquer dia lá estarei.
Continuando.
Saímos da Juba na manhã seguinte para Yambio onde chegámos uma hora depois, usando o último aviâo que eu tinha comprado, que era um Piper-Aztec de 6 lugares e bi-motor, e no qual tive que viajar para levá-lo de Halifax, Nova Escócia até a Juba, passado pelo Círculo Polar Ártico, mas isso é outra história.
O Noel tinha ido adiante no dia seguinte, pois ele sempre caçava na savana, para levar o jeep e o pessoal.
Ao chegar, fomos ao Departamento de Caça, como sempre fazíamos a registar-nos.
Chegámos ao acampamento e veio um dos meus pisteiros o Hassan a dizer-me que os bongos estavam a ir todas as noites a uma "salina" que nâo estava nada longe do nosso acampamento.
John o meu outro pisteiro, "emprestei-o" ao Noel, porque ele nâo conhecia a área e eu queria que ele, tivesse um bom guia para poder fazer um bom safari com os meus amigos.
Na manha seguinte, disse ao Noel que fosse a essa salina para ver se encontrava o bongo e somente lhe disse que seguisse as instruções do John que sabia muito dessa espécie de caçada.
Noel era um bom caçador, mas a floresta fechada, dava-lhe claustrofobia, segundo ele e, então trocávamos de clientes. Ele fazia uma parte na savana e mandava-me os clientes para a Floresta, onde eu caçava os elefantes, bongos e também a parte dos pântanos.
Saímos vários dias e não conseguíamos caçar nenhum bongo, até que uma manhâ eu ía adiante por um carreiro, que me levava a uma dessas salinas que mencionei, e vi umas pegadas de bongo grande e começámos a seguilas muito devagar. Pelo excremento podíamos ver que ia adiante de nós e não estava longe. Pedi a Rosa, que viesse para o meu lado e que levasse a 375 preparada, para o que se avistássemos o bongo, ela disparasse rápido.
Uma das razões porque usávamos armas pesadas na floresta para os bongos, era porque num dos primeiros safaris, o meu bom amigo Alfonso de Urquijo, levava uma arma de calibre pequeno e duas vezes atirou aos bongos e falhou, e vimos que a bala ao encontrar na trajectória uma pequeníssima rama, tinha as duas vezes desviado o tiro. A partir daí, aprendi a lição e pedia aos meus clientes que atirassem com pelo menos 375.
Seguimos muito devagar nas pegadas do bongo e à entrada de uma floresta vimos um belo animal, com uns bonitos cornos e um grande troféu.
A Rosa apoiou-se no meu ombro e disparou. O bongo correu, mas eu vi que estava ferido de morte. Caiu uns 50 metros dentro da floresta.
Arrastámos o animal para fora para poder tirar a foto que aqui ponho, onde estava a Rosa e eu. Esta mulher era uma grande caçadora.
Passaram-se dias em que caminhámos muitas vezes atrás dos elefantes sem ver nenhum que nos gostasse, até que Hassan, veio um dia e disse-me que fossemos à floresta do Rio Sue, porque lhe tinham dito que lá havia muitos elefantes.
Fomos até a uma povoação e encontrámos uns homens que nos disseram que os elefantes estavam na parte mais fechada do Rio Sue.
Dirigimo-nos para lá, e a floresta começou a ser das mais densas onde eu tinha caçado até aquele momento. Numa clareira da floresta encontrámos a tumba de um dos grandes chefes Azandes daquela área. os elefantes tinham passado por aquele lugar.
(na foto: Rosa, Hassan e eu)
Hassan, disse-me que queria pedir ao espírito do chefe que nos desse sorte e falou por um buraco da tumba que era como uma construção de pedra e cimento, algo que nâo entendi.
Continuámos até que ouvimos os elefantes na floresta mais fechada daquele lugar. Nâo se via nada, tínhamos uma visão de uns 2 metros ou três nada mais. Dirigi-me na direcção do ruido dos elefantes e vi que estavam abaixo de nós, pois o declive para o rio era muito acentuado. Perguntei a Rosa se queria entrar num lugar que era perigoso. Ela disse-me: Se vais tu, eu não tenho medo. Eu sim estava "cagado" de medo, ela não sabia o que era uma carga naquela floresta, Começámos a baixar e não tínhamos dado nem dez passos, quando vi à nossa altura um elefante macho que nos estava a observar. Rosa levantou a 416 John Rigby, e eu a 577 e disse-lhe:
-Dispara.
Atirou e eu atirei também, porque aí não havia que brincar, e sentimos que o elefantes desapareceu, somente o ruido da estampida da manada.
Agarrei a Rosa pela camisa e puxei-a para trás para a parte alta, porque aí ainda que fosse densa a floresta, não era tâo fechada como abaixo.
Federico estava atrás com a sua arma na mão, quando vimos que a menos de 10 metros de nós saiu um elefante grande, que não era o típico elefante da floresta, com pontas grossas, disse-lhe atira-lhe ao "codillo", à altura do coração e ele atirou rápido sendo secundado por mim. Deixei a Rosa numa boa árvore e corri para ver o elefante cair um pouco mais adiante.
Tínhamos dobrado os elefantes num lance que nunca mais nos esqueceria por muitos anos que vivêssemos.
Fomos ver o o elefante de Rosa, tinha rolado para dentro do Rio Sue, e tinha cravado as pontas no "matope" do rio.
Tivemos que cortar muitas ramas e árvores pequenas, para poder tirar a fotografia que vos ponho aqui.
O mesmo sucedeu com o elefante de Federico. Notem a mão do homem em comparação à grossura da ponta que tinha um bocadinho partido.
Para Federico, como ele dizia, valeu mais aquela caçada que todas as que tinha feito a elefantes posteriormente.
Com esta narração no meu "portunhol", termino aqui umas poucas aventuras que fiz no Sudão, o qual tive que abandonar em 1982, por ver que a guerra civil ia começar naquele país e eu já tinha passado por duas, não queria atravessar por uma terceira.
Deixei o Sudão para nunca mais voltar.
Victor "Hunter"

RETALHOS DAS MINHAS MEMÓRIAS - SUDÂO (7)

A viagem para a província de Bahar-el-Gazzal, foi uma viagem de bastante cansaço porque a estrada de Yambio a Wau, que é a capital, estava em bastante mal estado e em varios quilómetros. o que nos obrigava a manter uma velocidade que não era constante e por isso demorámos mais do que esperávamos. Chegámos a Wau perto das três da tarde e dirigimo-nos ao Departamento de Caça, para registar-nos. onde o chefe do Departamento de Caça, nos convidou a tomar um chá, com a consequente conversação sobre o que passava em Juba donde ele era originário. Arrancámos uma meia hora depois em direcçâo ao acampamento, onde chegámos duas horas depois. Já era quase noite quando chegámos ao nosso destino.
Tonj está situado ao lado do rio do mesmo nome. Somente os que conhecem bem essa área, podem dizer qual é o rio, pois há uma quantidade enorme, pois há uma quantidade enorme de braços que formam os pântanos do Rio Bahar-el-Gazzal (rio das gazelas), do qual o Rio Tonj é um afluente.
Aí metidos dentro dos pântanos, há uma quantidade imensa de Nile Lechwees ou Mrs. Grey's Lechwees. Na parte seca, ou seja, fora dos pântanos abundam os Uganda kobs, os roans, e bastantes búfalos, assim como varios outros como os, rinocerontes brancos (agora extintos).
Nesse lugar é dos poucos lugares onde se pode ver ainda o pássaro tâo raro que é o Shoe Bill (bico de sapato), que está protegido e é um dos símbolos do Sul do Sudão.
Aí é uma região dominada pela tribo DINKA. Têm as suas palhotas do tempo seco, numas partes altas do pântano, para onde levam o seu gado. Quando as águas do rio começam a subir, durante a época das chuvas, eles retiram-se para terras mais altas a procurar melhores pastos.
É uma raça de guerreiros. Podia estar aqui horas a escrever sobre o que aprendi sobre esta tribú, para isso necessitaria de escrever um livro sobre eles.
Sâo pessoas que não querem saber nada da civilização. Não gostam de andar vestidos com roupas, nem árabes nem europeias. Às vezes são obrigados a fazê-lo para poder entrar em alguma povoação, onde árabes e autoridades não admitem que andem nus.
Como se Ve`o guerreiro da foto, eles usam uma espécie de faixa de contas bem apertadas à volta do estômago. Adoram dançar, e as danças deles sao muito parecidas às dos Massai do Kenia e Tanzânia. Dão saltos muito altos, e quanto mais altos melhores bailarinos os consideram entre eles. Era natural encontrar dinkas com mais de dois metros de altura. Têm um conhecimento sobre o gado, somente comparado com os Massai e os Himbas da Namibia. Estão tão dedicados à sua manada, que podem reconhecer um por um, todas as suas rezes, não importando a quantidade que ela tenha.
Quando um Dinka chega aos 10 anos, o pai oferece-lhe um boi, que é o começo da manada que ele formará e terá durante a sua vida. O pequeno fala com ele, trata-o com carinho , e considera-o uma parte importante da sua família. Enfeita-lhe os cornos e às vezes pinta com argila desenhos na pele do seu boi. Muitas vezes, durante a sua vida, quando tem que tomar alguma decisão importante, consulta o seu boi, que considera como um bom conselheiro e um bom "totem".
Este miúdo, preferiria morrer de fome, do que pensart em matar aquele boi, que para ele é sagrado. Poderá matar outros, pois vende e troca animais, mas nunca o boi que foi o princípio da sua vida.
As mulheres Dinkas são de uma beleza fisíca impressionante. A cara, não, pois têm o que para nós é um defeito genético, que é ter os dente superiores apontando para diante. Mas o corpo...parecem deusas a sair das águas do rio. Altas, e com um corpo escultural, com uma pele que somente as negras podem ter.. São de um negro tão negro, que parece negro azulado. Para comprar uma daquelas belezas , o "noivo" terá que pagar ao pai da donzela mais de 50 cabeças de gado, e às vezes mais, por isso os Dinkas casam-se tarde, pois necessitam muito tempo para juntar tantas cabeças. Já depois virão as filhas, para que ele possa receber dos "genros", as rezes que vão aumentar a sua manada.
Isto que escrevi sobre os Dinkas, é muito pouco, nas minhas memórias, dedico todo um capítulo, e outros aos Nuers e Shiluks que sâo também como os Dinkas tribos "nilóticas".
Na manhâ seguinte, Pitt e eu fomos dar uma volta para caçar alguma coisa para a despensa, e para dar de comer carne ao pessoal que há muito nâo a comia. Encontrámos um bom roan, que foi fazer parte dos troféus de Pitt.
Regressámos ao acampamento e descansámos da viagem de Yambio a Tonj, que nos tinha bastante cansados.
Às 5 da manhâ, estávamos já a tomar o nosso "matabicho", que quase sempre consistia em ovos, bacon e porridge (flocos de aveia), porque nesse dia teríamos que caminhar pelos pântanos para poder caçar os Nile Lechwees. O guia, um Dinka que quase sempre me acompanhava nesse lugar, disse-me que sabia onde andavam os Lechwees, e metemo-nos no Toyota, bordejando o pântano, até que o homem nos mandou parar e daí seguiríamos a pé. O John meu pisteiro, levava a arma do Pitt e eu somente os binóculos. Os outros pisteiros, levavam a nossa água, porque seria uma loucura tentar beber água daqueles pântanos.
Começámos a caminhar, primeiro sobre um colchão de plantas aquáticas. Conforme íamos avançando, o chão começava a tornar-se mais húmido, e o nosso calçado começou a molhar-se. Levávamos as calças dentro das peúgas porque no safari anterior eu tinha apanhado um montão de sanguessugas, e não queria que nos passasse igual. Seguimos assim mais de uma hora, até que tivemos que atravessar um braço mais profundo onde a água nos chegava até à cintura; passámos e começamos a sentir o terreno mais duro e mais seco. O sol queimava, e o vapor de água que saía do pântano, fazia-nos suar muitíssimo.
depois de talvez duas horas de caminho, vimos ao longe uma grande manada de Mrs. Grey's Lechwees. Eram mais de mil daqueles animais. Caminhámos em direcção à manada, dando um grande volta para poder estar contra o vento, para poder aproximar-nos aos animais sem ser vistos. Tratámos de aproveitar as manchas de vegetação que havia para poder camuflar-nos um pouco e chegar-lhes sem que nos vissem. Como era uma manada tão grande, pouco se movia, iam pastando na verde vegetação aquática. Chegou um momento que estaríamos a uns 180 metros da manada; ajoelhámo-nos e eu comecei a observar com os binóculos, qual era o troféu que eu queria para Pitt.
Havia um numero de machos que estavam separados da manada a um lado. Vi o que me gostou e indiquei-o a Pitt para que lhe apontasse com a lente da sua arma. Depois de tê-lo na mira, tomou um bom tempo respirando fundo e depois disparou. O Nile Lechwee, caiu sem sequer mover-se um metro do lugar onde estava. A manada começou a correr e via-a parar a um quilómetro de onde estávamos.
Tínhamos o troféu, que depois do Bongo e da Sitatunga, mais ilusão fez ao meu amigo Pitt.
Sacámos a pele e a cabeça, e John o meu pisteiro, fez com ela um embrulho que atou com umas plantas, pô-la à cabeça e seguimos para o Toyota e para o acampamento para dar-nos um bom banho.
À noite chamei pela rádio a Juba para que me mandassem o avião a Wau. O meu chauffer e pessoal seguiriam para Yambio, para James Diko, onde me esperariam uma semana que era quando começaria outro safari.
Pitt iria uns dias ao nosso acampamento de Kapoeta, que fica quase encostado à Etiópia, onde lá caçaria com o Carlos Fortunato, um Lesser Kudo e um Orix Beisa.
Assim terminou um maravilhoso safari do meu amigo Pitt Sanders, de Massillon, Ohio.
Em 5 dias chegariam os meus amigos Rosa e Federico Segura de Barcelona, (que a propósito, ainda ontem falei com eles pelo telefone), onde iríamos tentar caçar um par de bongos e um par de elefantes.
Victor "Hunter"

RETALHOS DAS MINHAS MEMÓRIAS - SUDÂO (6)

Estávamos do final da nossa estadía no acampamento de James Diko. Tínhamos que preparar-nos para fazer uma viagem até ao acampamento de Tonj, que ficava a umas 10 horas de viagem. Teríamos que passar pela cidade de Wau, apresentar-nos no Departamento de Caça, pois era uma obrigação, por lei, para que as autoridades soubessem que estaríamos a caçar na área da sua jurisdição, para poder-mos ir caçar os Mrs. Grey's Lechwees nesses pântanos, que era um dos troféus que lhe fazia mais ilusâo ter.
Pensámos em ir passar a nossa última tarde da Floresta Equatorial, sentados sobre as pedras que nos serviam de atalaia, para ver se saia alguma sitatunga. O Pitt tinha muita sorte, mas com as sitatungas parecia que se lhe "complicava a coisa."
Saímos às três da tarde e lá nos sentámos nas pedras, esperando que a tal sitatunga saísse. Eu usava uns binóculos, que até hoje conservo, uns Leitz, 8 x 35 e até hoje nâo encontrei coisa melhor para ver os animais em África. Passava as horas vendo dentro dos papiros, para ver se alguma coisa se movia. Vimos as duas fêmeas do costume e a sitatunga pequena, mas de macho nada.
Já eram as 4.30 da tarde, quando dentro dos papiros me pareceu ver que havia um dos papiros que era preto, e não amarelo ou verde como costumam ser. Apontei bem os binóculos e vi que se tinha movido uma coisa de nada. Ajustei bem as lentes e vi que era um corno de uma sitatunga que se encontrava totalmente submergida na água dentro dos papiros. Lhe disse a Pitt: "Vês aquele papiro amarelo que esta aqui em frente?" Pit via o papiro amarelo, até contou a partir de uns mais altos que aí se encontravam. "Pitt, se apontas com o teu óculo da arma, cerca de 40 polegadas, mais ou menos um metro, para a direita, há uma coisa negra que está metida na água. Esse é um corno da sitatunga." - Ele nâo podia ver, porque já eram quase as 5 da tarde e a luz estava a baixar rapidamente. Tínhamos um problema. O Pitt durante o dia via muito bem, mas com os seus óculos trifocais, era difícil para ele ver dentro dos papiros.
De repente "acendeu-se-me a lâmpada" e vi que aí ao lado das pedras havia uma pequena árvore que fazia um V muito fechado, quase juntando-se as duas ramas. Agarrei a espingarda de Pitt e disse-lhe que provavelmente a ìa arranhar um pouco. Meti e espingarda no meio da forquilha da árvore e puxei para baixo até que ficasse à altura do meu ombro e apontei para o lugar onde estava a sitatunga. As sitatungas quando estão dentro de água e dentro dos papiros nem se movem, porque se sentem protegidas e essa era um velho animal que "as devia saber todas"
Apontei bem e calculando o corpo da sitatunga, pus a rectícula do óculo em no que eu pensava que seria o coração. Disse-lhe a Pitt, vê agora onde está. O meu amigo disse-me com muita desesperação que nâo via nada. E a luz que se nos ia.
Eu nâo queria que ele se fosse sem aquela sitatunga, e disse-lhe deixa-me ver bem outra vez; não se tinha movido, e então disse-lhe, agarra a arma e sem mover nada, aperta o gatilho, encosta somente o ombro, a ver o que passa. Pitt agarrou a arma e disparou, sem mover nem um milímetro que fosse o cano que eu estava observando. Senti o tamboraço e eu estava seguro que lhe tinha dado.
A luz quase se nos foi totalmente, Tivemos que ir ao Toyota buscar umas lanternas, e o John e os outros ajudantes meteram-se à água e sacaram de lá a sitatunga que Pitt tanto queria.
Esta era uma beleza de sitatunga e tínha-se acabado a má sorte com aquele animal.
Fomos para o acampamento, onde celebrámos com um bom whisky a "aventura" da sitatunga. Sacamos as fotos respectivas, que nâo sairam muito bem por falta de luz, e nâo tínhamos flash, mas aqui deixo a foto da tal sitatunga que se nos dificultou tanto. Ficaram um pouco escuras e fomos para o acampamento, celebrar com um bom whisky a caçada da sitatunga.
No dia seguinte saímos de viagem para o acampamento de Tonj.
Victor "Hunter"

RETALHOS DAS MINHAS MEMÓRIAS - SUDÂO (5)

Como mencionei atrás, o meu acampamento de James Diko, estava na "ponta" mais ao Sul do Sudão, quase na fronteira com a Zaire, fronteira essa, que eu nunca soube onde era precisamente. Naquele tempo nâo existiam GPS, para que eu pudesse demarcar com precisão, a fronteira.
Muitas vezes andávamos atrás dos elefantes e John, o meu pisteiro, me dizia. "Aqui é o Zaire".
Eu nem me tinha dado conta de que estávamos nesse país.
Mas para que a coisa fosse "legal", conto-lhes uma brevíssima historia, de como consegui a autorização, para caçar no que é hoje Congo.
Um dia chegou ao acampamento, pela tarde, um homem e uma mulher com um bebé que trazia um bracinho todo queimado. O bebé tinha metido o braço numa panela de água a ferver, e estava muito mal. O homem perguntou-me se eu podia fazer alguma coisa por ele. Mas o que mais gostei foi que o homem falava um francês mais ou menos intendível. Contou-me como tinha sido o acidente, e tambem me contou, que ele era o CHEFE AZANDE, (Zémio) o maior daquela região tâo remota. A sua Jurisdição ia até ao Rio Uele, que passava a uns 30 quilómetros ao Sul, rio esse que mais tarde se transforma no fabuloso Ubangui-Chari, que passa pela República Centro Africana. Perguntei-lhe como "andava ele de elefantes", enquanto ia limpando as feridas que tinha o bebé, com Savlon que é uma substancia para limpar e se usava também e cirurgia.
Disse-me que havia muitos na sua zona e que se eu quisesse podia ir lá matar os que quisesse. Mais uma vez eu lhe perguntei, se não havia problema e ele comentou-me que ELE É QUE MANDAVA, porque o presidente não mandou nunca nenhuma ajuda para eles etc etc.
Terminei de vendar o bracinho do miúdo com aquelas vendas amarelas que têm uma substancia para as queimaduras, que era parte do botequim que era obrigatório trazer nos carros de safari.
Falando com o Chefe, disse-lhe que era melhor que ficasse numa das casas, dos trabalhadores com a sua mulher para que eu pudesse dar continuidade ao tratamento do miúdo, até que estivesse fora de perigo.
O homem agradeceu-me muito, John levou-o a instalar-se e eu à noite, mandei-lhe meia garrafa de rum que trazia dentro da caixa das bebidas.
Total a partir daquele momento foi um grande amigo, e ser amigo do Chefe dos Azandes, não é coisa pequena, porque segundo John , o homem era o ser supremo naquelas terras. John um dia disse-me que se havia alguma coisa grave na sua jurisdição, ele podia até mandar matar a alguém.
Depois disso, encontrar elefantes "era canja" como diziam na "nossa" terra, "lá nos Beira".
Também notei que a mulher do chefe, tinha uma tremenda papada devido à falta de iodo, pois criou bócio, doença que havia muito naquela região, por falta de sal de mar iodatado. Disse-lhe que quando viesse o avião de Juba trataria que me mandassem pastilhas de iodo para que a sua mulher as tomasse e a doença parasse aí ou talvez até curar-se. Durante os meus anos de andar em África, notei que uma pastilha que a nós somente era um paliativo, a um negro que nunca tinha tomado nada de medicamentos, fazia milagres.
Durante o safari de Pitt eu já tinha a "autorização" e um dia à noite chegaram uns homens do Chefe a dizer-me que fosse a um lugar que lá andavam muitos elefantes.
Preparámos tudo, e aí nos vamos Pitt e eu em direcção ao Zaire, por uma picada que eu tinha mandado abrir para chegar até o que eles diziam que era a fronteira.
Começámos a caminhar, mal nasceu o Sol e não tardou meia hora que ouvíssemos os elefantes barritar.
Havia uma pequena colina e vimos os elefantes abaixo a entrar numa floresta fechada que rodeava um rio.Como o veto estava às mil maravilhas, sempre soprando-nos na cara, seguimos a manada e começámos lentamente a entrar na floresta para ver se víamos o tal elefante de pontas compridas que Pitt queria para fazer a sua cama. Íamos muito devagar, vendo sempre como soprava o vento,, quando John parou e mostrou-me ao meu lado esquerdo, encostado a uma grande árvore um elefante com pontas compridas, ainda que nâo fossem tâo pesadas. Perguntei a Pitt se lhe gostavam e como a resposta foi afirmativa, preparámo-nos para atirar, porque po elefantes estava a menos de 20 metros de nós a a olhar para nós, sem saber que fazer, pois nâo podia olfatear-nos. Eu baixinho disse a Pitt, atira que eu ajudo-te. Vio-o apontar a 458 e eu apontei com a 577, ele disparou, e logo eu. Vi como o elefante recebeu o impacto daquelas duas balas poderosas e vi como levantou as duas patas dianteiras, e caiu para o lado. As pontas eram bonitas compridas , mas nâo pesavam muito; era o que Pitt queria.
Sacámos as pontas e seguimos para o Sudão sem primeiro mandar cortar a melhor carne para que fosse enviada ao meu amigo O Chefe Azande.
Cacei vários elefantes nesse lugar ao redor do Rio Uele.
É um lugar que nunca esquecerei, porque aí havia uma paz, somente quebrada por mim, com algum tiro, quando caçávamos elefantes ou bongos.
Victor "Hunter"

RETALHOS DAS MINHAS MEMÓRIAS - SUDÂO (4)

Os safaris continuavam de vento em poupa, somente com as dificuldades, em alguns atrazos da gasolina que às vezes demorava mais tempo do que o previsto, ou pelas chuvas, ou pelos soldados do Idi Amim, mas sem nunca ser uma coisa demasiado importante, porque ao fim sempre chegava o que tínhamos encarregado.
Eu continuava no acampamento da floresta, James Diko, e estava em contacto constante com a nossa base em Juba, via radio.
Pitt eu eu continuámos o nosso safari, tranquilamente até que um dia ao atravessar um rio que estava quase todo cuberto com plantas aquáticas, vimos duas sitatungas fêmeas e uma pequena.
Parámos e não vimos o macho. Caminhámos um pouco rio abaixo até que encontrámos uma floresta aberta e com umas pedras, onde nos sentámos, sem fazer nenhum ruido, para ver se conseguíamos avistar o tâo desejado macho de sitatunga. Era a nossa rutina: pela manhã caçávamos procurando elefantes e pelas tardes sentávamo-nos naquelas pedras a ver se saia o animal.
Andar no meio das florestas, fechadas caminhando e buscando pegadas de elefantes, era frustrante, pois muitas vezes não se encontrava nada e aí o jeep somente servia para deslocar-nos nas picadas e o resto "era à pata" "cuenda na muendo" como diriam em Moçambique. Então o meu pisteiro John que tinha nascido no Zaire ainda que vivesse no Sudão, disse-me que o melhor era ele ir falar com uns familiares e que eles procurassem os elefantes para nós, e que cada dia à noite nos mandassem recado a ver se tinham encontrado ou não os elefantes, que na floresta densa, não caminhavam tanto como os das savanas que se têm que refugiar longe donde bebem, e assim seria mais fácil alcança-los.
Esta "estratégia" dava-nos mais tempo para estar a procurar a nossa Sitatunga".
Um dia pela manhã muito cedo, pois aquela hora ainda não se via quase nada, tendo nós que usar uma pequena lanterna para ver onde pisávamos, íamos ver umas pegádas de elefante que nos tinham dito que existiam uns habitantes do lugar, quando nos começou a cair em cima uma chuva torrencial. Sacamos as nossas capas impermeáveis, tapando bem as armas, e aguentámos debaixo de umas grandes árvores da floresta fechada. Estivemos aí até que passou a chuva, mas com tanta chuva elefantes, nada. Iríamos ao acampamento, e depois de comer, sairíamos ver o lugar onde esperávamos a sitatunga.
Pitt estava com frio porque a chuva nos tinha calado até aos ossos ainda qe tivéssemos as capas, e ele levasse um casaco bastante quente.
Íamos na direcção ao jeep, quando John se baixou e apontou para uma animal que se movia à borda da floresta. Era um dos animais mais difíceis de conseguir, porque somente o podes caçar se o encontras assim como nós. Era um YELLOW BACKED DUIKER, o maior duiker de África e bastante raro. Há poucos caçadores que o tenham no seu haver.

Pitt ajoelhou-se, apontou bem e Buuuuuuuummm. Animal ao chão como ele quase sempre fazia.
Tínhamos conseguido, sem procurá-lo, um dos animais mais raros da floresta equatorial e de África.
A chuva que tanto nos tinha aborrecido, tinha sido uma bênção, porque eu aprendi que estes animaizinhos quando chove, vêm às bordas das floresta para aquecer-se e comer a erva fresca das pequenas clareiras.
Tinha sido um bom dia e produtivo para o nosso safari.
Victor "Hunter"

RETALHOS DAS MINHAS MEMÓRIAS - SUDÂO (3)

Ao chegar ao Sul do Sudão, onde se iriam realizar os nossos safaris, encontrámo-nos com vários problemas. Melhor, eu como andava na angariaçâo de safaris por "todo o mundo", mandei adiante a António Guerreiro,(angolano) ao Luís Lopes da Silva (moçambicano) ao Carlos Fortunato (angolano) ao António Monteiro (Kubitcheck), e ao nosso mecânico Matias, que trabalhou muitos anos em Vila Pery.
Tiveram que instalar-se numa casa que alugaram, que mais tarde nós compraríamos para servir de Lodge, nâo só para nós como para os clientes que chegavam de todos os lados e tinham que passar alguma noite em Juba. Em Juba havia somente um hotel chamado Hotel Juba, que era do governo, e que aparte de ser caríssimo, era uma casa de madeira e zinco, cheia de baratas e a comida nâo era de todo muito higiénica. (Nas minhas memórias, conto todas as peripécias de instalação e verificação das áreas, etc.).
Começámos os safaris no dia 5 de Janeiro de 1976, 5 meses exactos, depois da minha "fuga de Angola" com todo o equipamento. Jeeps, Unimogs(2), tendas de campanha, geleiras, congeladores, roupas de cama e de banho, geradores de electricidade e sobretudo os jeeps que vinham carregados com caixas de comida e lataria que tínhamos comprado em Walvis Bay (Namibia), antes de embarcá-los para Mombassa, porque no Sudâo, em Juba, eu sempre dizia que dava 100 dolares a quem pudesse comprar 5 latas de sardinhas ou de salsichas. Nunca ninguém os ganhou.
E a gasolina? Tanto para os jeeps, também o diesel, e a gasolina para o aviâo?
Tínhamos que comprar por camiões e, tinham que vir de Nairobi, através dum país governado pelo louco do Idi Amim, que era o Uganda. Imaginem somente um pouco as dificuldades que tínhamos: até os ovos para os matabichos, os voávamos de Nairobi, assim como as verduras em sacos de 25 kilos desidratadas.
Mas tudo conseguimos superar, com um pouco de organização e muita força de vontade.
Um dos safaris que fiz, e que vou contar, para que tenha continuidade, foi com aquele senhor que também cacei em Angola, que já conhecemos de nome. Pitt Sanders.
Pois bem o Pitt queria os antílopes raros que lhe faltavam:
Um Bongo, que era o troféu principal, já tinha varios elefantes, e necessitava umas pontas compridas porque queria mandar fazer uma cama com as pontas como cabeçeira, como ele me mostrou o desenho que trazia em um caderno.
Como em Angola tínhamos "falhado" a sitatunga, queria ver se era possível matar uma no Sudão. Tambem queria um Mrs. Grey's Lechwee, ou Lechwee do Nilo, e o que fora saindo como dizia ele.
Ao chegar a Juba, encontrámo-nos que as caixas das armas de Pitt se tinham "desviado" em Londres e chegou sem armas. Não havia problema, eu tinha a minha velha 375 Brownning para emprestar-lhe e uma 270 para o que fosse, e para os elefantes podia emprestar-lhe uma 458 que sempre trazia no meu "jogo" de armas. Assunto arrumado. As armas chegariam mais tarde, uma semana depois. Fomos no nosso avião até Yambio, onde o meu chauffer já me estava esperando com o jeep e seguimos imediatamente para o nosso acampamento de James Diko, que ficava a uma hora de Yambio.
Pitt perguntou-me que tal me tinha ido de bongos esse ano, eu somente lhe respondi que tínhamos feito 100% de bons resultados. Aprendemos rápido com a ajuda dos meus pisteiros AZANDES, John e Hassan. John era meio pigmeu e Hassan era Azande que tinha adoptado um nome muçulmano, durante a guerra do Sul, para que não o matassem, porque isso sim, era "borracho como o vinho", e os verdadeiros maometanos não bebem álcool.
No primeiro dia levantámo-nos perto das 4 da manha para matabichar bem; metemo-nos no Toyota e fomos até a um lugar que era meu costume visitar, onde havia uma grande "salina" onde os animais vinham comer aqule pasta esbranquiçada, que estava cheia de minerais. Igual que os elefantes, por isso tinham aquelas pontas tâo compridas e perfeitas quase sempre. Caminhávamos em silêncio, eu ia à frente por um carreiro, que já tínhamos feito previamente e quase ao sair da floresta que atravessávamos, vi um bonito BONGO, a comer numa clareira. Ele nâo nos pressentiu e naquele momento encobriu-se por uma morro de termites ou formigas, o que aproveitámos, Pitt e eu para poder chegar-lhe sem que nos vira. Pitt levantou a 375, apontou, disparou e
(note-se as sombras, era quase ao nascer do sol)
BINGOOO- Bongo no chão.
Era uma beleza de troféu. 29" polegadas, entrava no livro de Records da Rolland & Ward.
O animal mais difícil em África de caçar, somente em duas horas depois de sair do acampamento e no primeiro dia de caça. Há gente que tem sorte.
O Pitt nâo cabia em si de contente. E eu por mim sabia que era o trofeu que mais lhe interessava, esse safaris ia ser tranquilo e sem pressões.
E o safari continuou divertido e com a companhia do meu bom amigo Pitt Sanders.
Victor "Hunter"

RETALHOS DAS MINHAS MEMÓRIAS-SUDÂO (2)

...

Quando vos comecei a contar as minhas andanças pelo Sudão anteriormente, foi um pouco longo, porque lhes quis contar alguma coisa dos conhecimentos que adquiri, desse país tão grande e tão complicado como é essa nação.

Tanta e tanta tribo diferente, é quase impossível pô-los de acordo. Ë um país que sempre teve dois governos.

O do Norte e o do Sul.

Khartoum vista aérea do Nilo e da ilha (Tromba = Khartoum)<

O Norte com a capital em Khartoum quase 100% muçulmano, olham para os do Sul, que sâo negros, com desprezo, consideram-nos numa casta inferior, e usan-nos como criados. Isso nota-se como os tratam, se alguem possa entender um pouco do árabe que falam no Sudão.

A maioria dos Sudaneses do Norte, têm rasgos negroides, e a pele escura, por as múltiplas misturas com as escravas do Sul que durante alguns séculos se foi produzindo.

Vestem-se com as “gelabias” ou djilabas brancas, usam turbante e sâo como todos os muçulmanos religiosamente fervorosos, até ao ponto de serem de um fanatismo atroz. Já lhes contarei o que passou a um dos nossos caçadores de Moçambique, o Luís Lopes da Silva, por esse fanatismo.

O Governo do Sul, cuja capital é Juba,

foto: Juba vista do aeroporto)

onde não há Presidente, mas somente um vice-presidente, eleito e “tolerado” pelo governo de Khartoum.

As maiores tribos do Sul, estâo formados pelos Dinkas e pelos Nueres, que sao tribos nilóticas. Estas duas tribos composta com homens e mulheres de uma altura que tem uma media de 1.90 metros e que muitas vezes ultrapassa os dois metros.

Por a beleza corporal destas tribos, foram durante muito tempo as escravas e escravos favoritos dos “árabes” do Norte.

Como protesta e rebelião a essas práticas, os Dinkas e os Nueres, nunca quiseram usar qualquer vestimenta. Andam nus sem se importarem o mais mínimo, se os consideram “selvagens”. São criadores de gado e têm manadas impressionantes nas margens do Nilo, e especialmente no Rio Bahar–el-Gazaal.

Muitas vezes aproveitei as manadas dos Dinkas, para aproximar-me aos antílopes que queria caçar, que nâo temiam o gado, mas sim às pessoas.

A caça no Sudão era das melhores que havia em África, por as diferentes espécies que há naquele tão extenso país.

Nós tivemos varios acampamentos, no Sul do Sudão.

Aqui não era possível naquele tempo ter acampamentos fixos como tínhamos em Moçambique e Angola. Tudo era à base de barracas “Manyara” e a única coisa que eu sempre mandava construir fixo era uma “macheze” (nome sena) e um banho fixo, porque não gostava nada dos banhos de tendas.

Nestas andanças pelo Sudão, falarei muito de algumas tribos que eu encontrei fascinantes, sob o ponto de vista etnológico.

Victor “Hunter”

RETALHOS DAS MINHAS MEMÓRIAS-SUDÂO (1)

Por: Victor Cabral “Hunter”

O Sudâo, é para a maioria das pessoas um lugar de África totalmente desconhecido.

Sim, vêem-no no mapa, sabem que está ao Sul do Egipto, que a capital é Khartoum e pouco mais.

Pois bem, para os que nâo sabem..., e que gostam de saber.

Este país é o maior país de África: tem fronteiras ao Norte com o Egipto, a Noroeste com o Mar Vermelho, a Este com a Etiópia e Eritreia, a Sudeste com o Kenia, a Sul com o Uganda e com o Congo (Zaire), a Sudoeste com a República Centro Africana, a Oeste com o Chade e finalmente a Noroeste com a Líbia.

Agora imaginem o tamanho deste país depois de mencionar todos os países com que faz fronteira.

É um lugar de África onde se falam mais de 100 dialectos e línguas, é de uma complexidade tâo grande, que o faz um país com uma imensa falta de entendimento entre as tribos e raças que lá existem.

Por exemplo: Um sudanês do Norte, que habita nas margens do Nilo em Abu-Simbel, ou Wadi-Halfa, (foto) nâo tem nada que ver com um negro sudanês (foto) que habita a floresta equatorial ao Sul, no que se chama a Província de Equatória.

O do Norte fala árabe, diz que descende dos Egípcios dos faraós e o outro, que pertence à tribo dos Azandes, o que quer é sobreviver na floresta, onde é colector de mel, raízes, de bolbos comestíveis e, é um caçador e pescador nato.

Se uma pessoa observa os habitantes das colinas do mar Vermelho, os Fuzi Huzi, ou Nubios, (foto) vêm que sâo completamente diferentes dos negros que habitam as montanhas do Kordofan os Nubas; (foto) nem se conhecem, nem se entendem. E assim acontece com uma quantidade de tribos, que alguns nem sequer sabem hoje, da existência de alguns dos seus conterrâneos.

Agora imaginem um país assim, e entao dar-se-ão conta dos problema, étnicos, sociais e políticos, que se geram dentro dele, guerras tribais, xenofobia, guerras civis, como a que vão atravessando há mais de 20 anos, apesar de tratados e de acordos feitos pelos chefes em turno.

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Quando no ano de 1975, depois de estalar a guerra civil em Angola, me dirigi ao Sudâo, eu era o primeiro português que me atrevia a ir desafiar as dificuldades de pôr uma companhia de safaris no Sul desse país. Havia dois anos que se tinha terminado uma guerra civil que tinha durado 17 anos, entre o Norte e o Sul.

Depois de muitas peripécias, cartas de recomendação, e de untar as mâos a mais de um político do Sul, para que me foram concedidas as áreas de caça que queria, instalei-me no Sudâo onde estive por um prazo de oito anos, guiando safaris, tanto na floresta equatorial, como nas savanas que vão desde o Rio Nilo até à Etiópia; cacei a área dos grandes lagos formados pelos vários afluentes do Nilo.

Cacei sitatungas no lago Nibor, e nos pântanos formados pelos vários afluentes do Nilo, o Bahar-el-Gazzal e o Bahar-el-Seraff; neles cacei os antílopes mais bonitos que vi na minha vida: os Mrs.Grey’s Lechwee e os White Eared Kobs ou Cobs de Orelhas Brancas.

Nas florestas abertas nas áreas do Rio Sue, e de Rumbek, cacei o famoso Eland Gigante. (foto G. Eland)





Na floresta Equatorial, pegado ao Congo (Zaire) cacei muitos Bongos, (foto Bongos) e alguns Giant Forest Hogs, ou javalis gigantes da floresta, e os raros Yellow Backed Duiker; lá cacei tambem os grandes elefantes, de pontas de mais de 2.60 mts de comprido e de mais de 45,36 quilogramas cada ponta.

Nas colinas do Mar vermelha cacei alguns Ibex de Núbia, que é a única cabra selvagem existente em África.

O famoso e histórico Enclave de Lado, terra que antigamente foi o paraíso dos caçadores de marfim foi tambem cenário de muitas das minhas caçadas. Terra em que J. Suntherland, um grande caçador africano, caçou, amou e morreu. Visitei a sua abandonada tumba que está num lugar perdido na selva da floresta equatorial entre Yambio e Wau.

Por lá tambem passou o Karamojo Bell, nas suas “andanças de caçador de elefantes”.

Enfim, conheci uma grande parte do Sudâo, aquilo que me alcançou conhecer durante oito anos que passei naquele país.

Atravessei o Nilo e fui ver a Cidade de Ondurman, que está situada do outro lado da ponte que sai de Khartoum, onde os dois Nilos se encontram. O Azul que vêm de Etiópia e o Branco que vem lá do Sul, do Uganda

O mercado de Ondurman é o maior do Sudâo e o mais interessante, e tem uma grande variada de de mercadorias para mostrar aos visitantes. Candelabros esculpidos em marfim e pau-preto por artesãos do mercado, joalheiros e prateiros fabricam todas as variedades de joalharia na parte da frente das suas lojas. Todo este conjunto faz desse lugar um mercado vivo e apressado. A melhor ocasião para visitar esta babilónia de mercadores, é às sextas feiras de manhã.

Em Ondurman, visitei a casa do famoso, Mahdi, o escolhido de Deus, que pôs em cheque aos soldados britânicos do Sudâo Anglo-Egipcio, acabando com a vida do General Gordon e toda a sua guarniçâo.

Agora um pouco de história, para poder entender a ideosincracia destes povos habitantes do Sudâo.

Mohammed Ahmed (1844-85) encabeçou a rebeliâo do Sudâo contra a penetraçâo colonial britânica, que tinha começado desde o Egipto, em 1881, como “guerra santa” do Islâo.

Sitiou e capturou Khartoum em 1885, dando morte ao general Gordon como o mencionei atrás. Os derviches, seguidores do Mahdi, chegaram a controlar todo o Sudâo, excepto os portos de do Mar Vermelho; os britânicos nâo recuperaram o país até 1898, quando Kitchener, derrotou o sucessor do Mahadi, (o califa Abdullah el Taashi), e ordenou destruir, queimar e desaparecer todos os vestígios da tumba e do corpo do Mahdi, como símbolo da sua vingança.

Com os problemas que existem hoje com os islamistas, pensei que seria apropriado dizer que o título de Mahdi, que significa “bem dirigido” e que designa entre os mulsulmanos, a um Messias esperado, para impor ao mundo a doutrina do Islâo, a justiça e a fraternidade.

Tal crença, alheia à doutrina de Mahommed, é negada pelos mulsulmanos “Sunnies”, mas ao mesmo tempo ocupa um dogma importante entre os “Chiitas”, que o identificam como “o iman oculto”, membro da familia de Ali.

Em momentos de crise, esta crença foi aproveitada algumas vezes, por fanáticos com ambiçâo de poder, para obter apoio das massas ferventes e religiosas. Assim, por exemplo, Ubaid Allah, a princípios do seculo X, (o fundador da dinastía Fatimi); ou o Ibn Tumart no século XII (fundador da dinastia Almohade), usaram esta estratégia de fazer-se chamar o Mahdi, o o Escolhido de Deus, para levar a água ao seu moinho, e assim conseguir o poder que tanto ambicionavam.

O Mahdi foi sepultado numa mesquita que tinha um domo de prata, situada em Ondurman. Esta foi completamente destruida por Kitchener em 1898, e o corpo do Mahdi foi queimado e a suas cinzas atiradas ao Rio Nilo. Em 1947, o filho do Mahdi, fez com que se reconstruisse a mesquita e tambem a tumba, e nâo é de surpreender que esteja agora vedada a extrangeiros, mas pode-se ver por fora.

A casa do Mahdi, foi contruida com adobes, em 1887, é é agora um museu. Contem relíquias da batalha de Mahdiyya, indluindo armas, bandeiras e algumas cotas de malha, usadas naquela batalha. Há uma colecçâo interessante de fotografias, dessa época da revolta e da subsequente ocupaçâo pelos britànicos.

Ondurman, foi o centro do comércio de escravos que vinham do Sul. Aí se comerciava com a gente, que acabavam por ser embarcados para a provincia arábica e outros lugares do Norte.

Éra fascinante percorrer a pé as ruas de Ondurman, sentir os cheiros de comida adoçicada, e de espécies que eram desconhecidas para mim; na minha mente, parecia que ainda podia ouvir os pregôes dos vendedores de escravos a anunciar os negros mais fortes e as negras mais sensuais. Entre eles havia os negros Acholis do Sul e mais dóceis, as mulheres Dinkas, altas e com corpos como que tivessem sido modeladas em cerâmida de Sévres, com a pele lisa e tersa, que faziam sonhar as ”mil e uma noites”, que eram vendidas por um punhado de dinares, ou trocadas por ricas mercadorias, entre elas a prata da Núbia, as pérolas do Mar Vermelho; um carregamento de goma-arábica, ou uns quantos sacos de café de de Etiópia, eram tambem moeda de troque, por estes fortes escravos e belas escravas negras.

Oops, deixei-me levar pela imaginaçâo, que nâo está nada fora da antiga realidade.

E se aprofundamos muito, com uns bons dólares, ainda se pode comprar hoje, que estamos no Século XXI, uma escrava negra do Sul. Isto foi publicado pelas Naçôes Unidas há pouco tempo.

Mas voltando à realidade, continuámos a percorrer as diversas ruas de Ondurman.

Entrar em lojas onde ofereciam ao transeunte as coisas mais raras que havia em esse país. Velhas pulseiras de prata pura, da Nubia; sandálias de pele de leopardo, goma-arábica, café arábico, forte e negro.

Havia uma infinidade de joalharias, que estavam abertas até altas horas da noite.

O mercado de camelos situado a dois kilómetros ao Norte do Souq ou mercado, de Ondurman repleto de dromedários vindos das províncias do Oeste e Oriente do Sudâo, era um fervilhar de gente e de bestas.

Comerciantes e tratantes de todo o Sudâo, exibiam os seus animais. Viam-se árabes da Arábia Saudita, que podíamos reconhecer pelas suas indumentárias, discutindo e comprando camelos que mais tarde seriam embarcados para os seus país, tambem gente Yemenita tratando de fechar algum negócio com os vendedores dos dromedários.

Khartoum, é uma das três irmâs, como chamou alguem às cidades de Ondurman, Khartoum Norte e o Khartoum propriamente dito, que hoje estâo unificadas, pela expansâo da cidade, que teve que construir para fazer frente à expansào demográfica do lugar.

Está situada na confluencia dos dois Nilos: o Nilo Branco, que vem do Sul e o Azul que vem do Este, da Etiópia.

A cidade tem uma história relativamente curta. Em 1821 foi usada como posto militar a que deram o nome de Khartoum, que em árabe significa tromba de elefante, pela similitude que há, de uma pequena Ilha na convergência dos dois rios e, o apendice dos elefantes.

Khartoum, cresceu rápidamente durante o explendor do comércio de escravos, que foi entre os anos 1825 e 1880. Em 1834 fizeram dela a capital do Sudâo, e uma grande quantidade de exploradores da Europa, fizeram desta cidade a sua base, para as suas expediçôes africanas.

Entre safaris, tive a sorte de visitar a parte “faraónica” do Sudâo. Sim porque o Sudâo, em algum tempo e durante a época dos faraós, foi um lugar importante na vida do Egipto faraónico. Nele se construiram grandes monumentos e pirâmides, que marcaram a sua presença nesta regiâo.

O Museu Nacional, contem artefactos e antiguidades de varios períodos da pré-historia e história do Sudâo, incluido objectos de vidro, cerâmica, estátuas e figuras do antigo reino de Cush.

O período da Nubia Cristiana, está muito bem representado, com frescos e murais obtidos de igrejas en ruinas, datados desde o oitavo até ao decimo quinto Século.

No jardim do Museu, reconstruiram-se dois templos, que foram salvos, quando as águas do Lago Nasser ou seja a barragem de Assuâo, começaram a subirem, perto de uma das cidades que faz fronteira com o Egipto, que é, Abu-Simbel.

Estes templos egípcios de Buhen e Semma, foram originalmente mandados construir pela Rainha Hatshepsut e pelo Faraó Tuthmosis III respectivamente. Era de notar que sobre os templos contruiram uma estructura com lámina de zinco corrugada ou ondulada, para protegê-los da humidade durante a estaçâo das chuvas. No princípio segundo me informou um dos guias do museu, pensava-se que no final das chuvas se retiraria por um sistema mecânico, mas isso nunca aconteceu e naquele tempo já se encontrava oxidada, o que fazia impossível a sua mobilidade.

Depois dos egipcios, estableceram-se nesse lugar, os Cristâos Coptos, que duraram até que começou a invasâo árabe do Sudâo.

Nâo tive muito tempo para conhecer mais, como me gostaria ter conhecido, e a razâo foi que depois de seis meses de caça constante, em que a maioria do tempo a passava na floresta equatorial, ou seja a floresta densa e fechada, caminhando uma media de vinte kilómetros diáriamente, eu que naquele tempo, era um pau de virar tripas, perdia cerca de oito kilos cada temporada de caça e a única coisa que me apetecia, era voar até Paris, onde no famoso Instituto Pasteur, me faziam um teste para ver se nâo tinha “pescado” alguma das raras doenças que existiam naquelas florestas.

Sim porque esses lugares estavam cheios de doença do sono ou tripanosomíazes, de duas microfilárias que eram a Loa-Loa e a Bancroftis e, algumas mais.

Depois de um ano ter “pescado” a microfilária Bancroftis, que é muito desagradável, pois pela noite quando um necessita dormir, parece que tem “cucarachas” a caminhar pela pele, somente no Instituto Pasteur descobriram o que é que eu tinha depois de fazerem-me varias analizes; a doença era rara, mas fácil de curar, pois com uma caixa de Neotizine, que me deram, consegui acabar com estes desagradáveis bichinhos.

Depois de estar “checado”, desinfectado, etc. etc., entâo voava a Madrid, que era onde tive casa durante quase 15 anos, e começava por recuperar-me das “mal passadas” que me dava no Sudâo, e ponha-me a comer os bons cosidos Madrilenos, o presunto de Jabugo, os bons Chuletones de Ávila, os Callos à la Madrilena, e assim ia repondo o peso que tinha perdido durante as caminhadas que dava atrás dos elefantes, bongos e mais animais.

Como a temporada de caça terminava em Junho, entâo nâo podia faltar, ir até à Ilha de Palma de Maiorca, onde algumas vezes me instalava num iate que um bom amigo e, quase irmâo, me emprestava, para que me fosse repondo dos pesados dias que passava no Sudâo. Iate de 14 metros só para mim, boa comida e melhor bebida e,... Entâo sim, isso era vida.

Quando havia alguma cancelaçâo de algum safari, o que era raro, alguma vez ia a Nairobi e, aí descansava e tentava repor-me fisicamente durante os dias que tinha livres.

Procurava uma namorada “temporal”, que me fizesses esquecer tanta floresta e, que me fizese sentir animicamente bem, ainda que sempre regressava à floresta, pois era onde mais me gostava caçar.

A savana, era bonita, mas a floresta era um lugar onde havia mais desafios à habilidade de um caçador, e muitas vezes à integridade física de um, pois aos elefantes atiravamos-lhes a distancias tâo pequenas que cada dia arriscávamos a pele. Muitas vezes quando nos aproximávamos aos elefantes, tinhamos que baixar-nos para poder ver as pontas e às vezes estavam tâo perto que o coraçâo se nos fazia pequeno e quase nos saltava pela boca. Por isso a razâo de eu usar uma arma de dois canos paralelos, calibre 577.

Muitas vezes me perguntavam porquê usava uma arma tâo pesada? e a minha resposta foi sempre a mesma: “porque nâo há “bazucas” de dois canos que eu possa usar”, - pois o primeiro tiro era sempre do cliente, e muitos, ainda que atiravam tâo perto, às vezes nâo acertavam no lugar que deviam e, entâo tínha que actuar o guia, ou seja eu, para que nâo houvesse problemas maiores.

Muitos sustos, apanhei nessses lugares, mas creio que a adrenalina que me provocavam essas situaçôes, eram como uma droga que corria pelas minhas veias, e isso fazia-me com que eu regressasse sempre a caçar a essas floresta de Yambio.

O meu acampamento, estava estrategicamente situado, na parte mais ao Sul da Provincia de Equatória. Para chegar a ele tínhamos que tomar uma picada que há muitos anos tinha sido feita por uma companhia algodoeira, que tinha a sua base em Yambio, a qual tinha construido tambem nesse lugar, uma fábrica de tecidos.

Havia um chefe negro, que se chamava James Diko, e esse foi o nome que demos ao meu acampamento, pois estávamos relativamente perto da casa dele.

Aí era a terra dos grandes elefantes, que vinham do Zaire (hoje Congo), a comer a grande quantidade de mangas que havia do lado do Sudâo. Eram florestas imensas dessa saborosa fruta. Havia mangas de todas as qualidades e formas. As muito grandes como as da India, as amarelinhas pequenas com muito fio, mas mais saborosas e, habia umas de tamanho medio que tinham uma cor entre laranja, vermelho e amarelo, que eram as minhas perferidas.

Nos meses de Marzo, Abril e Maio, os elefantes vinham ao Sudâo a dar-se um festim com estes frutos, e era aí que nós aproveitávamos, para conseguir os melhores trofeus de elefante.

Aí, nesse lugar, levei alguns clientes, que conseguiram caçar elefantes, cujas pontas ultrapassaram as 45,36 quilogramas por ponta e, alguns com mais de 2,60 metros de comprimento. Eram verdadeiros mastodontes, no referente ao marfim que tinham, nâo assim no corpo, que comparados com os grandes paquidermes de Angola, faziam-nos ver como elefantes anôes.

Victor “Hunter”