terça-feira, janeiro 17, 2006

Visita à Cidade da Beira , Moçambique

Visita à Beira em verso (mais ou menos rimada):

Num frio inverno em Janeiro,
Sentado em frente à lareira
Ia pondo tronco a tronco
P’ra atiçar a fogueira.

Pensando, pensando estava.
“Que faço aqui neste frio?
Seria muito melhor
Que eu estivesse no Rio.”

“Sabem de que rio falo?
Nem lhes passa pela ideia.
Falo do rio Zambeze
Um pouco a Norte da Beira.

Agora marco a passagem
Embarco na terça-feira
Saio de Lisboa às nove
E chego amanhã à Beira.

Aqui estou novamente
Num lugar de muito sol
Na terra do Estoril
E tambem a do Farol.

Ouvi uma voz velhinha,
Que me dizia animado
“Bem-vindo meu caro amigo
Aqui estou abandonado”

Era o velho Macuti!
Famoso rebocador
Chegaram-me as lágrimas aos olhos
Por vê-lo com tanta dor.

Ontem andavas na barra,
Hoje serves p’ra dar sombra
Continua velho amigo
Que isso muito te honra.

Até logo amigo meu
Nunca te esquecerei,
Mas certo podes estar
Algum dia, voltarei.




Caminhei um pouco mais
Por entre casuarinas
Até ao Club Náutico
Onde via umas, meninas.

Era a nova geração,
Que eu já nâo conhecia
Falavam de novas coisas
De um pais que revivia

“ Estão a pintar o liceu”,
Dizia uma contente
Se fazem as coisas bem
Vai vir um monte de gente”.

Gente nova e gente velha
Gente conhecida e famosa
Virão aqui visitar
O Parque da Gorongosa.”

“Olha p’ra Praça da Índia
Que bonita! Que emoção!
Arranjaram os jardins
E tambem o camelhâo.”

Os velhos canhões estavam
Ferrugentos e despontados
Saudei-os com carinho
Por vê-los abandonados.

Continuei passeando
Agora pela marginal
Cheguei até ao Oceana
E vi que nâo estava mal.

Nâo gostou daquele anúncio
De uma bebida famosa,
Que se via na parede
Da garrafa da gasosa.

Se nâo pomos atenção,
A pintores tâo “elegantes”
Vão-nos pintar a garrafa
Na barriga, aos elefantes.

Em direcção aos Pinheiros
Continuei a andar
Passei pelo Grande Hotel
Deu-me “ganas” de chorar.


Lúgubre, sujo em ruínas
Já nâo tinha aquele porte,
Tão belo que tinha sido.
Agora cheirava a morte.

Mais miséria nâo quis ver
Corri daí apressado,
Fui até à Mexicana
Onde comi um gelado.

Continuei o passeio
O São Jorge queria ver
O ultimo filme que lá vi,
“O Direito de Nascer”

Aí estava o cinema
Com aquele porte altaneiro
Quantas matinés eu vi...
Fui amigo do porteiro.

Baixando pela avenida
Em direcção ao centro
Passei pela Catedral
Fui visita-la por dentro.

Estava toda bonita
Com a pintura cinzenta
Agradeci a Jesus
Com um pouquinho de água benta.

Ainda falta pintar
E tapar os orifícios
Da casa que está ao lado
Escola de Arte e Ofícios.

Havia uma árvore grande.
Grande árvore que sombra faça.
Sobre a que foi grande escola
A Eduardo Vilaça

Estava bem pintadinha
A dizer-me: “aqui estou”
Uma tâo digna escola
Que a tantos ensinou.

As árvores da avenida
Formavam túnel profundo
Que me davam sombra fresca
A melhor de todo o mundo.


Caminhando devagar
A Câmara Municipal eu vi
Faltava-me qualquer coisa
Mas nâo era o Capri...

Estava lá o café,
Os Correios e o mercado
Faltava-me qualquer coisa
Parecia-me abandonado.

Foi então que eu notei
E vi como o coração dói,
O que tinha desaparecido,
Foi o antigo Savoy.

Queimou-se todo o hotel
Que pena, que se acabou
Um “icone” da nossa Beira
Em cinzas se transformou.

Tantas e tantas peripécias,
Que “ele” tinha na memória,
Amores, raivas e ódios
Que fazem parte da história.

Cerca dos anos vinte,
Que ele foi inaugurado,
Terminaram os seus dias,
Em Janeiro foi queimado.

A Muralha estava à espera
Que eu a fosse visitar,
Sentei-me nas velhas pedras
Para poder descansar.

Olhei p’ró Beira Terrace
E lembrei-me do passado
Com a minha namorada,
Naquele lugar tinha estado.

Quanto beijos escondidos,
Tantos apertos excitantes
Nâo eram amores de agora
Eram os amores de antes.


Lembrei-me das namoradas,
Natália, Paula e Mizé,
Pensei tambem na Lucília
E na Maria da Fé.

Tantos amores que lá tive
E tanta recordação,
Mas sempre me apaixonava
De verdade e coração.


A Lua já vai bem alta
Ao por do sol me inclino
Vou dormir ao Embaixador
Em frente ao Maquinino.

Depois de um banho fresco
Vesti-me com uns calções,
Fui ver o china Wong
E comer uns camarões.

Que delícia e que prazer
Outra vez neste lugar
Com uma boa Manica
E com um tâo bom jantar.

Lembrei-me de uma pessoa
E se aqui estivesse?
Vou ver se a posso encontrar
“Manguana machibesse”.

Era uma mulata divina.
Chamava-se Ana, a danada
Trazia-me mesmo mortinho
Assim era,... Apaixonada.

“Ó tempo volta p’ra trás,
Dá-me tudo o que perdi”
Deixa-me ver as mulheres,
Aquelas com que vivi.



De manhã de manhãzinha
Dirigi-me ao Capri
Pedi um café gelado
Que com prazer eu bebi.

Sabia-me igual que antes
E pedi outro num ai
Só me faltava o ouvir
Aquele homem..., “já lá vai”.

Caminhei mais para baixo
O City Stores lá estava,
Vendia as mesmas coisas
Igual quando eu lhes comprava.


Algumas coisas mudaram
Nesta Beira já velhinha,
Faltava a Casa Smarta
E Tambem a do Palhinha.

O Banco de Moçambique
Estava no mesmo lugar
Sóbrio, cinzento e triste
Sem dinheiro p’ra emprestar.

Continuei caminhando
Num clima sem igual
Passei por vários edifícios
E fui ver o Nacional.

O cinema estava lá
Faltava a gente de antes
Victor Gomes, e a mulher
Creio que foram p’r Abrantes.

Gaivota que voas alta
Mostra-me agora o caminho
Quero atravessar a Ponte
Ir até ao Maquinino.

Olha o velho Moulin Rouge
Aquele cabaret famoso
A gente que agora está
Tem um ar de perigoso

Melhor nem entro aí
Nâo vão tirar do gatilho,
Já nâo sâo os belos tempos
Da Mercedes del Castillo

Bailarina flamenca
Que tanto nos deleitava
Com o seu sapateado
As castanholas tocavam.

Ao olhar lá para dentro
Vi pretas da bela vida,
E com maningue tristeza,
Muitas delas têm SIDA.

Daí passei a Estação
Para ver como estava,
Perguntei se eu podia
Ir em comboio à Munhava.

Não patrão. Tem que apanhar
O machismo que sai
Aqui em frente à estação.
Com esse sim chegar vai.

Agradeci ao rapaz:
Obrigado “xamuaranga”
Quero saber quanto custa
Bilhete até à Manga.

Lá fui eu no machibombo
P’ra Manga a ver o que via
Tinha que ir à Igreja
P’ra aproveitar o dia.

Estava o templo sem pintar
Abaixo a casa da Céu
Tudo estava muito feio
Que passa aqui Oh Deus meu?

Perguntei a um “xamuar”
Que respondeu com um sotaque
“Xi patrão se queros ir
Eu mostrar o Tic Tac”.

Isto nâo me gostou nada
A Manga estava lixada
Nem Tic Tac nem Brizido
Pobre Manga está acabada.

Regressei de tarde à Beira
Confesso um pouco “Tristão”
E fui beber um whisky
Ao bar, com o Chico Brandão.

Falámos de coisas velhas
De gente que já nâo está
O pai dele, do Araújo,
Do Palhinha e do Hingá.

Lembras-te do Jardim?
Da Gillette, e do Salema?
Do Dimitri e do Carvalho
Da Dona Alda e da Lena.

Eram como velhos fantasmas
Que ante nós desfilavam
Trazendo-nos recordações
Que nunca nos abandonavam

Talvez fosse pelos whisky
Bebidos naquele lugar
Chico amigo terminamos
É hora de ir deitar.

Amanhã continuamos
E disso podes estar certo
Mal eu regresse da praia
Continuamos o “concerto”

Escrevendo uns “meios versos”,
Já me alarguei um montão,
Amo muito esta cidade
Cheguei à conclusão.

Regressei no avião
Adeus oh terra adorada
De todas as que conheço
Tu sim és a minha amada.

Uma lágrima correu no rosto
Deste velho caçador
Por ter que abandonar
As terras do seu amor.

Victor “Hunter”
Mexico – 2006