sábado, outubro 01, 2005

DEDICADA ÀS PESSOAS DE ANGOLA - 10

DEDICADA ÀS PESSOAS DE ANGOLA E AOS QUE GOSTAM DE ÁFRICA
Carta no. 10-

Depois de percorrer mais de 70 kilómetros, encontrámo-nos na estrada que vinha do Namibe na direcção de Sá da Bandeira. O desnível que calculámos entre a parte desértica e o Planalto do Lubango, era de 1800 metros, quase a altura da Serra da Estrela em Portugal, com a diferença, desta ser uma serra abrupta, e com lugares cortados a pique que tinham uma enorme profundidade ou altura, dependendo do lugar onde nos encontrássemos.
Para conseguir construir esta estrada, os engenheiros da companhia construtora que realizou esta obra, foram para mim uns verdadeiros magos. Conseguiram, onde ninguém pensava naquele tempo que fosse possível, fazer uma obra, digna dos compêndios de engenharia de todos os tempos.
Tirámos varias fotos para poder mostrar aos futuros incendiemos civis, o trabalho efectuado naquele tempo.
Isto é somente uma pequena amostra do que é esta estrada. Curva atrás de curva e em alguns pontos, teve que construir-se uma espécie de ponte de concreto, para que a estrada pudesse continuar o seu rumo. No tempo que eu vivi em Sá da Bandeira, hoje Lubango, algum dia vi acidentes em que nunca se puderam recuperar as viaturas e muitas jazem no fundo dos precipícios e barrancos até hoje.
São curvas umas atrás de outra e por uma extensão de muitos quilómetros. Esta é das estradas que está bem mantida pelo governo, porque seria uma estupidez abandona-la, pois para reconstruir uma obra destas, custaria uma grande fortuna.
Continuámos com a nossa subida até ao planalto. Podia-se notar a diferença de temperatura, conformar íamos subindo. Em pouco tempo passámos de uma clima desértico e seco, a um clima mediterrâneo e agradável.
Ao chegar ao cimo da Serra da Leba, de repente encontramo-nos com uma paisagem em que se vê lá ao fundo, a cidade de Sá da Bandeira- Lubango.
Havia pintado à beira da estrada um anúncio que eu me lembrava muito bem onde estava, porque tinha sido feito há muitos anos para dar ao turista que chegava uma indicação do que podia ver naquela região. Estava bem pintado e conservado, evidentemente com os novos nomes que lhe davam agora as autoridades.
Vi que aqui não havia o abandono que havia nas pequenas cidades do Sul.
A cidade do Lubango, ainda que em alguns lugares se podia ver ainda os vestígios das lutas entre a MPLA, UNITA e FNLA, continua a sua vida lenta pois não há grandes comércios, mas creio eu que com o tempo, voltará, não ao que era antigamente, mas muito melhor do que o que se encontra agora.
O Hotel, em que me alojei muitas vezes, estava completamente destruído. Ainda se podiam ver nas paredres os buracos feitos pelas balas. Lembrei-me que em Julho de 1975, naquele lugar havia tiros por todos os lados. Foi nesse tempo que eu decidi abandonar aquelas terras da Huila.
Tanta morte, tanto destroço, quando com um pouco de civilidade e de participação do governo Português, se podia ter feito a transição sem tiros. Como dizia atrás, Angola hoje continua a ter semeado nas suas terras milhões de minas, que não se sabe se algum dia as poderá desactivar todas. No entanto pessoas que nada tiveram que ver com a guerra, vão perdendo membros, e morrendo muitos com as explosões desta “peste”, semeada somente para trazer dor e desgraça ao nobre povo de Angola.
Decidimos dar uma volta pela cidade para recordar alguns lugares onde tínhamos passado bons tempos. Eu tinha vivido no edifício que se vê à direita. Aí tinha um apartamento, que poucas vezes usava, porque a grande parte do meu tempo, a passava nas “terras do fim do mundo”.
Como em muitas cidades de Angola, alguns edifícios, estavam ainda sem pintar, mas continuavam a ser habitados por pessoas, que os mantinham mais ou menos em boas condições.
O Cinema Arco-íris, em que tantas vezes vimos bons filmes, aí estava como que a dar-nos as boas vindas. Tantos anos e continuava a ser um edifício de desenho modernista. Ainda que não estivesse brilhante e bem cuidado, não se notava nele o deterioro que havia noutros lugares e edifícios.
Ainda que a luta entre a MPLA e a UNITA tivesse sido dura naquele tempo, havia coisas que tinham sido arranjadas e reconstruídas.
Tantas e tantas recordações que nos iam chegando à mente, conforme íamos andando pela cidade de Sá da Bandeira.
Quando aqui chegamos, obrigados pela circunstancia de ter que deixar a operação dos safaris em Moçambique, vínhamos cheios de ilusões, pois encontramos uma cidade afável, e a gente daqui que nos acolheu com os braços abertos, quando souberam que vínhamos trabalhar neste país.
Lembrei-me do meu grande amigo, o dono da Angola Safaris, o Hernâni Espinha, do Capitão Cabral, dos caçadores, Alfredo Ferreira e Seabra e tantos mais. Parecia que a alma deles, nos acompanhavam naquele momento, como cicerones daquela cidade. Parecia que caminhavam ao nosso lado, para fazer-nos companhia como o fizeram no princípio dos anos 70’s, em que juntos íamos começar uma nova aventura africana.
Era uma imagem “dejá vu”.
Pela tarde subimos o morro, para ir visitar a capela da Nossa Senhora do Monte, onde todos os anos se faziam uma festa para comemorar o dia da Virgem. Era uma festa católica com um sabor português que tinha aquela festa, nos anos que vivemos na cidade. Segundo me disseram, agora já não se fazia.
Daí continuámos para ir visitar o Cristo Rei que depois de tanta guerra, tanta luta, continua com os braços abertos, como que protegendo toda a povoação.
Nesta cidade deixaríamos o nosso guarda acompanhante do governo, porque seguiríamos pela estrada que sai de Sá da Bandeira em direcção ao Sul para continuar com a nossa viagem até à Namibia.
Faltava uma pequena e tape para terminar o nosso deambular por Angola.
Iríamos visitar as quedas do M’Popa, antes de deixar as terras de Angola, e veríamos ainda, um pouco do que tinha deixado a guerra civil a este país.


(Continua na carta no. 11)




1 comentário:

Marcos Pinto Basto disse...

Caro Vitor Cabral, sou amigo do Monteiro e vivia em Sá da Bandeira. Também fui caçador guia no Mucusso. Seu nome não me é estranho, mas não lembro se nos conhecemos