segunda-feira, outubro 02, 2006

RETALHOS DAS MINHAS MEMÓRIAS 5


Quando antes falei do pessoal moçambicano que levei Angola, todos do distrito da Gorongosa e de Cheringoma, da étnia Sena, houve um especialmente a que eu tenho que fazer uma pequena homenagem, dedicando-lhe umas linhas nas minhas memórias,
Este homem, grande, de mais de 1,85 mts de estatura foi para mim o meu melhor amigo, o meu mentor, o meu professor na escola da vida do mato, o que me formou na arte de ser caçador, e mais tarde guia de safaris.
Todos os caçadores, tivémos um pisteiro, um "messire" em quem confiávamos as decisôes de saber para onde íamos cada dia que saíamos a caçar, e todos pesávamos que o "nosso" era o melhor.
Pois bem, isso passáva-me com o meu pisteiro, o meu "messire", MADORA FOMBE. Assim se chamava. Madora em língua Sena, quer dizer estrondo, dinamite, tiro forte, mas o meu pai sempre o chamou FOMBE, assim como o velho Alberto Araujo, e para nós sempre foi o FOMBE.
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(Nesta foto Fombe e eu nos 60's)
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(Fombe, Marquês de las Navas e eu com Nyala record)
O Fombe era o pisteiro dos pisteiro, o "messire" dos "messires", e digo isto porque durante muitos anos, eu conheci os melhores: O grande Macorreia do Alberto Araujo, o Sande do Salzone, o Ranguisse e o Jofrice do Simôes, o Joâo do Coelho, e tantos mais que eram uns magos e únicos na arte de mover-se nos terrenos africanos que pisavam.
Alguma vês pude reunir alguns deles, e o respeito com que tratavam o Fombe nâo era comum naquela gente. Todos o respeitavam e ouviam com cuidado tudo o que aquele homem sabia sobre o mato, sobre os animais que procurávamos, a decisâo dele sempre era tomada em conta, como que foram as palavras sábias de alguma Biblia ou enciclopédia. Sim porque o Fombe era uma enciclopédia vivente.
Se havia alguma planta que servisse para alguma coisa, ele sabia onde encontrá-la e, sabia como utilizá-la se servisse para algum fim. Que eu quando tinha os meus quinze anos tinha pé de atleta, pois ele ia ao mato e buscava uns tomates pequeninos, selvagens, amarelos, fazia uma pasta e punha-mos nos pés e assunto arrumado, Se eu tinha uma pequena queimadela, ele sabia qual era a planta que me punha para que as ampolas passassem depressa. Lembro-me que uma vez passou na minha cara, quando dormia, uma aranha que há em Moçambique, a que os chi-senas chamam "chitundira", que deixa uma rasto de baba por onde passa e queima deixando uma marca, pois Fombe foi ao mato, buscou uns bolbos que desenterrou sabe Deus onde, e com eles fez uma pasta e pôs-me no lugar por onde tinha passado a estúpida aranha e, em dois dias tudo tinha desaparecido.
Aparte de "um grande messire" era quase o meu médico de cabeceira.
A minha mâe, a quem ele chamava a "senhora grande", quando eu saia ao mato, sempre lhe dizia: "cuida bem o menino, porque se lhe acontece alguma coisa eu mato-te. Tu és o responsável dele"
E Fombe sempre tomou essa brincadeira como uma ordem, e tomava a peito essa responsabilidade. Para dizer-lhes a verdade e´até com um pouco de vergonha, quando eu tinha que ir à casa de banho, o Fombe ia comigo e estava aí por perto, até que eu terminava com o papel na mâo. Durante os frios dias dos Julhos e Agostos africanos ele que sempre me levava um café à cama, enquando eu tomava o meu café, ele até me calcava as peúgas de lâ para que eu nâo pisasse o châo, em quanto me punhas as botas.
Era uma delícia ouvi-lo contar as suas historias de caça pelas noites sentados ao lado do fogo. Eu quando era miudo e ia à caça, adormecia ouvindo aquela voz cadenciosa que ia contando aos presentes, as peripécias de alguma caçada que ele tinha feito.
Acompanhou-me a muitos lugares de África, Quando alguma vez fui caçar para as varias companhias com quem caçei, uma das exigencias que eu fazia, era que Fombe sempre seria o meu pisteiro e o FELIX o meu chofer.
Co m estes dois eu podia ir ao fim do mundo, podia caçar desde os grandes elefantes até aos dik-diks mais pequenos.
Total para mim, FOMBE foi o homem que me formou, que me criou, que me cuidou, uma pessoa a quem tive um carinho muito especial.
Quando deixei Angola por causa da Guerra Civil, Fombe já estava muito velho para levá-lo para o Sudâo; eu quiz levá-o para Portugal, onde em Mangualde tenho umas terras e uma casa onde ele podia viver com a sua familia, mas negou-se completamente. Tinha três mulheres o "desgraçado", e uma bem jovem. Durante uns dois anos recebi alguma carta dele em Madrid que era enviada da Muanza, por uma pessoa que tinha lá uma loja, depois deixei de saber dele, e mais tarde soube que tinha falecido.
Para mim foi uma dôr tâo grande, igual à que tive quando faleceu o meu pai. Porque Fombe nâo somente foi o meu "messire", foi tambem o meu PAI africano.
Sempre digo e penso, que algum dia nos encontraremos, em outro plano, onde continuaremos com as nossas "caçadas".

Vctor "Hunter"

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